2.4.12

Como escrever um texto de moda

A moda chegou à praça. Não uma praça qualquer. A Praça. Resta acrescentar, do Município. Foi assim durante quatro dias de Março (8 a 11), sendo três os espaços onde os desfiles da 38ªedição da ModaLisboa aconteceram, num total de 22 apresentações Outono/Inverno 2012/13. A gigante tenda colocada num dos lados da Praça, fronteiriça ao edificio dos Paços do Concelho, recebeu todo o público convidado para os desfiles e mais algum (infiltrado, diria eu). Os (meus) dias da modalisboa apresentaram-se claros, conviviais, confusos por vezes, mas não caóticos. Comecei por ver a dupla que assina White Tent, constituída por Pedro Noronha-Feio e Evgenia Tabakova. Contudo, o calendário já tinha arrancado com Catarina Sequeira e a sua etiqueta Saymyname que, pela segunda vez pisou a passerele da Modalisboa. A dupla WT continua a sugerir-nos um guarda-roupa de atitude minimal, desportiva e casual. A linha solta marca este proposta, feita de tecidos leves para Invernos não muito rigorosos. As sobreposições, os cortes e jogos de proporção dominam a colecção, que deixa no ar quotidianos calmos para mulheres descontraídas. Entre os tons lisos das malhas jersey (material de eleição da dupla) e os tons metalizados, a colecção tem o seu ponto alto nos pormenores de assimetria e jogos de detalhes como o cinto semi-oculto de uma gabardine (trench coat).

Naquele mesmo espaço, o de um banco, ao longo do balcão, com cadeiras alinhadas a desenhar a passerelle, seguiu-se Katty Xiomara, com a sua «Futuralma», uma colecção retro-futurista, aberta a várias composições, consoante a portadora. O desfile começou como (normalmente) acaba. Passo a explicar: o grupo de manequins entra em fila indiana, dá a volta, regressa aos bastidores, e depois aparece Katty Xiomara, como se se tratasse do final, e não do... princípio. E recomeça. A colecção do próxima Outono/Inverno é muito generosa. À medida que as manequins passam por mim, vou apontando cores, formas, estruturas. Penso nos anos Sessenta, mas também naquela adolescência de muitas meninas-mulheres. Pequenas capas, pequenos casacos, peças ligadas entre si (que também podem ser desligadas. Os bejes, o pêssego, o rosa pálido, mas também, o preto. As luvas ‘tatuadas’ nas mãos sugerem um futuro pintado em personagens femininas de banda desenhada futurista. O carrapito-tubo aponta para isso também, com um ambiente chique e cosmopolita («Amélie»?) misturado com memórias de infância, mergulhadas em azul noite.

Do outro lado da montra do banco, uma assistência variada assistia ao desfile, com direito a aplaudi-lo, pois então. Katty já não regressa à passerelle para agradecer. Tinha-o feito no futuro (!).

Voei de seguida para o desfile seguinte: Dino Alves. A última fila (muito concorrida a passerelle principal no Pateo da Galé) não é o melhor lugar para admirar com olhos de ver, ao vivo, a proposta daquele criador de moda. O que me ficou na retina foram os padrões desta colecção a que Dino resolveu chamar «Sombra brilhante», numa silhueta que junta austeridade com fluidez, longílineo com sobredimensão, tudo numa mesma silhueta. Dualidade é assim a palavra de ordem para Dino na próxima estação, pintada de cinza, preto, branco, dourado, vermelho, beringela, amarelo, azul acinzentado e verde. A noite terminou com o desfile de Ricardo Preto. E da sombra brilhante passámos à ‘luz atlântica’ (assim dito e à hora a que foi, mais parece que mergulhámos no efeito ‘noite americana’).

Chegada a sábado, voei até ao desfile de Daniel Dinis. Magnífica aquela pequenina sala do Arquivo, nos Paços do Concelho. Como só consegui ver através da porta de vidro (melhor ainda do que desfiles que se atrasam, é uma pessoa chegar atrasada aos desfiles : ) vislumbrei um bando de rapazes encapuçados, com peças de tricot concebidas por Sónia Pessoa. Daqui passei para o Pateo da Galé, ansiosa por ver Maria Gambina, que apresentou uma colecção influenciada (como quase sempre) pelo desporto e espírito fortemente urbano, que aqui apelidou de ‘alteridade’. Homem e mulher, vestirão peças que falam em hóquei, por vezes através de um Y, onde o muito curto e o extralargo se conjugam. Com estampados assinados por Hugo Makarov, ilustrador e tatuador, num efeito visual que se aproxima de Escher, a criadora optou assim por misturar várias influências e ambientes (musicais, gráficos, literários) e devolver ao seu público uma outra forma de ser Maria Gambina.

O calendário de sábado continuou com o convidado polaco, Piotr Drzal, Miguel Vieira, Nuno Baltazar e Nuno Gama. Eis-nos após uma noite cheia de imagens de moda, com mais um dia pela frente: onze de março, um ano depois da grande manifestação de 12 de Março, em que a polícia de choque (um must em qualquer governo social-democrata) aguardava no Terreiro do Paço não se sabe bem o quê, já que a manif desceu a Avenida da Liberdade e foi até ao Rossio, onde se manteve. Vinda desse lado, acabei por me deparar com aquele espectáculo policial: compreendi finalmente a profundidade da famosa frase de Gertrude Stein estampada numa T-shirt - «war makes fashion».

Ricardo Andrez já nos habituou a um ideário muito próprio, e o seu desfile na sala do arquivo foi uma bela manifestação de moda a abrir uma tarde de domingo. Rock (Hudson) & androginia são palavras tema desta colecção. Vários vestidos-túnica, camisas com gola assimétrica, calças curtas, efeitos gráficos (riscas isolada) e pontuais, ou estilização do padrão «pied cocq». Vários tons magenta, do tijolo ao vermelho escuro, passando pelo salmão. Depois de uma longa carta a Rock Hudson (escrita por Pedro Vaz Simões), esta colecção foi a melhor homenagem à figura do galã de cinema e à afirmação das novas masculinidades.

Depois, no mesmo espaço, foi apresentada a colecção Marques’Almeida, a nova dupla constituída por Paula Marques e Paulo Almeida. Enquanto isto, a escriba resolveu entrevistar Ricardo Andrez, o que em resolução de última hora teve como efeito uma longa espera (previsível) e o resultado é que em breve a entrevista será aqui publicada.

Mesmo a tempo de assitir ao desfile de Ricardo Dourado, cujo trabalho acompanho desde o início, sentei-me ao lado de Nuno Baltazar... sem ter visto o desfile dele! Tenho de recuperar o seu trabalho numa próxima ...edição. Quanto ao mundo de Dourado: os seus rioters (homem e mulher) parece que sairam de gangues bem sucedidos na vida. Zips por todo o lado, capuzes, ténis enormes, bolsos independente, sempre com a jóia-acessório a lembrar marca de automóvel. Os amotinados de Ricardo Dourado estão (bem) vestidos para motins que correm ...bem. É já no próximo Inverno, a não perder numa manifestação perto de si.

Pedro Pedro apresentou-se na passerelle principal com a sua «urban mix» para mulheres que gostam de roupa inspirada em roupa de trabalho (eu, por exemplo). Finalmente, um nome que anseio sempre por ver: Alexandra Moura. Foi mesmo um mergulho em grandes casacos e golas transbordantes. Ao comparar com os sabores que lhe serviram de inspiração («agri-doce»), apetece-me alga a envolver pato com laranja.... As flores que surgem à volta da cintura de uma manequim, numa espécie de cinto alto, são espalhadas depois por várias peças de seda. Como sempre paritária, a colecção brinca com dualidades e opostos, compondo silhuetas sustentáveis e globais. Sempre com uma touca preta na cabeça, as/os manequins estiveram o máximo. Por mim, estou pronta a mergulhar no futuro que é já amanhã.

Cristina L. Duarte

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