No dia 16 de Abril de 1878 nascia na Guarda a
mulher que iria ser a primeira eleitora em Portugal e em toda a Europa do Sul:
Carolina Beatriz Ângelo, filha de Viriato António Ângelo e de Emília Barreto
Ângelo. Depois de frequentar o Liceu na sua terra natal, rumou à capital onde estudou
durante dois anos na Escola Politécnica e cinco na Escola Médico-Cirúrgica, concluindo
o curso em 1902, ano do seu casamento com o seu primo, médico e republicano,
Januário Barreto.
Pioneira a vários níveis, Carolina Beatriz Ângelo defendia
o serviço militar obrigatório para as mulheres (ainda que limitado a funções
administrativas) e, não obstante a oposição da família, foi a primeira mulher
na prática cirúrgica, sendo a primeira médica portuguesa a operar no Hospital de
S.José. Só mais tarde ela viria a dedicar-se à especialidade da Ginecologia.
Em 1906 CBA aderiu ao Comité Português da
Associação Feminina Francesa La Paix et
le Désarmement par les Femmes – criada em França por Sylvie Flammarion em
1899. Esta agremiação «pretendia uma resolução dos conflitos internacionais
através de uma arbitragem exclusivamente feminina», como salienta Isabel de
Jesus em As mulheres e a República, Agenda feminista 2010.
Apesar de todo o seu activismo, nunca quis
abandonar a carreira médica e após o início da sua militância associativa vemos
CBA aderir à Maçonaria em 1907, formando com Adelaide Cabete, Ana de Castro
Osório e Maria Veleda um ‘quarteto’ de líderes que preparou o caminho do
feminismo português nos alvores da República. Ainda em 1907 e em 1908 encontramos
este quarteto no Grupo Português de Estudos Feministas, que transita em seguida
para a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, lançada no final do mês de
Agosto de 1908, e que muito batalhou pela implantação da República.
Como refere Regina
Tavares da Silva em Carolina Beatriz Ângelo, esta
mulher destacou-se como «activista republicana e militante feminista numa época
em que ambas estas linhas de acção tinham um marcado ponto de encontro que,
progressivamente, se foi afastando, quando as feministas verificaram que as
suas pretensões eram rapidamente esquecidas por muitos daqueles que com elas
tinham declarado simpatizar. Pretensões relativas a uma melhoria de estatuto
legal e social das mulheres e, designadamente, ao direito ao voto.»
A história do voto é assim contada por João
Esteves: «Com a publicação da primeira lei eleitoral da República, Beatriz
Ângelo entreviu a hipótese de a mulher poder votar, já que aquela não excluía
explicitamente, embora também não contemplasse, o sufrágio feminino. Decide-se
então a explorar, até esgotar todas as possibilidades essa omissão na lei,
desafiando de certa forma, os companheiros de sempre, ao considerar-se com
direito a voto, por saber ler e escrever e ser chefe de família, pois era viúva
– o marido morrera em 1910 – e tinha uma filha menor a cargo. Os episódios
sucedem-se e, em menos de um mês, obtém por via judicial o direito a
recensear-se e a tornar-se eleitora.»
Recenseada com o nº2513, CBA votou nas eleições
para a Assembleia Nacional Constituinte, ocorrida a 28 de Maio de 1911. O facto
teve lugar na Assembleia Eleitoral de Arroios - instalada no Clube Estefânia
(não na rua Alexandre Braga, onde hoje se situa, mas sim nas
suas antigas
instalações da Rua de D.Estefânia) – e teve larga repercussão tanto na imprensa
nacional, como estrangeira. No trabalho publicado em 1991, João Esteves
afirmava que «mesmo tratando-se de um acto isolado, e também por isso mesmo,
representou um passo importante na reafirmação sufragista das feministas
portuguesas». Num artigo do mesmo investigador para a revista Faces de Eva nº11, «A primeira eleitora portuguesa
Carolina Beatriz Ângelo», diz-nos: «Nunca uma dirigente feminista tinha sido
objecto de tantas entrevistas, crónicas, debates e polémicas, sendo os títulos
elucidativos da importância do que estava em causa (...); “O triunfo do
feminismo – O voto da mulher em Portugal – Um jornal holandês [De Amsterdammer
Weekblad woor Nederland] publica uma interessante entrevista com a
sra.D.Carolina Beatriz Ângelo, a primeira mulher que votou em Portugal” (A Vanguarda, 18/7/1911).»
Em Julho de 1911, CBA confessava à sua amiga Ana de
Castro Osório: «tenho trabalhado muito, dias inteiros a discutir, a pensar, de
maneira que tenho o cérebro em ebulição constante a que depois se seguem
períodos de cansaço e fadiga como nunca tive. Se assim continuar só me restará
a consolação de ter vivido muito em pouco tempo.» [1]
E foi isso mesmo que aconteceu. Aos 33 anos de
idade, no dia 3 de Outubro de 1911 falecia Carolina Beatriz Ângelo, de síncope
cardíaca. Teve, como era seu desejo, «enterro civil e em tudo democrata» e foi
sepultada no Cemitério dos Prazeres. Deixou orfã uma filha de oito anos, Maria
Emília Ângelo Barreto, tendo expressamente exigido aos membros da família que
se abstivessem de a vestir de luto.
A morte da primeira eleitora portuguesa foi
noticiada por vários jornais nacionais, e pelo semanário Votes for Women, orgão das sufragistas inglesas.
Os Estudos sobre as Mulheres, a História das
Mulheres, os Estudos Feministas e de Género continuam a dedicar muita da sua
atenção ao legado de cidadania, deixado por esta e por muitas outras mulheres.
Para que não sejam esquecidas, muitas/os investigadoras/es dedicam-lhes os seus
propósitos científicos, produzindo o conhecimento necessário à transmissão da
memória colectiva dos feminismos em Portugal. Eis-nos assim chegadas/os ao
Seminário «Percursos Históricos e de Cidadania»!
Cristina L. Duarte
Bibliografia
Maria Regina Tavares da Silva , Carolina Beatriz Ângelo, «fio de ariana», CIDM, Lisboa, 2005.
João
Esteves, A Liga Republicana das Mulheres
Portuguesas – Uma organização política e feminista - 1909-1919, CIDM,
Lisboa, 1991
João
Esteves, Faces
de Eva nº11, Ed.Colibri/UNL, Lisboa, 2004
João
Esteves, Mulheres e Republicanismo
(1908-1928), «fio de ariana», CIG, Lisboa, 2008
As mulheres e a República, Agenda feminista 2010, ed.UMAR/Faces de
Eva , Lisboa, 2009
http://www.fcsh.unl.pt/facesdeeva/eva_arquivo/revista_11/eva_arquivo_numero11_j.html
[1] (BN, ACPC, Colecção de Castro Osório, Esp.N12/419, Carta a Ana de
Castro Osório, de 2/7/1911. (Esteves: 2004)
1 comentário:
Obrigada por no-lo lembrares, em dia de Maio!
Enviar um comentário