12.9.06

O papel da mulher na mudança e enquanto elemento pacificador da sociedade - Parte V

A partir de meados do século XIX, e sobretudo após 1870, o discurso feminista passa a ser protagonizado por mulheres – insiste-se na aquisição dos direitos jurídicos o que significa que a mulher quer participar nas transformações sociais, ao lado dos homens. Essa é aliás a verdadeira luta pela igualdade, por um mundo melhor, onde as ideias por mais utópicas que sejam ambicionam uma harmonia e um equilíbrio apenas possível mediante a união dos sexos, em paz e em liberdade.
Algumas mulheres oitocentistas combinaram uma faceta de jornalista,
com a de pedagoga, e a de protagonista da mudança e de elemento pacificador numa sociedade que se pretendia mais justa. Alice Pestana (n.Santarém,1860 - f.Madrid,1929) escrevia regularmente na Vanguarda, com o pseudónimo de Cil, onde se pronunciou sobre o feminismo (mas também colaborou no Almanach das Senhoras, na Gazeta de Portugal, em O Século, e no Diário de Notícias). Como pedagoga e escritora, ela desenvolvia artigos sobre as questões educativas – a sua obra inclui vários estudos pedagógicos e sociológicos - , assim como sobre a intervenção da mulher em defesa da paz, tendo presidido à Liga Portuguesa da Paz, fundada em 18 de Maio de 1898. A partir de 1885, assinou os seus contos e artigos com o nome Eduardo Caiel ou apenas Caiel. No final do século (1899-1900) dirigiu e foi redactora da revista Branca. A questão da mulher e da problemática feminista teve direito a várias polémicas na imprensa oitocentista, nomeadamente no final do século aquela que foi desencadeada na Ave Azul por Beatriz Pinheiro de Lemos e Carlos de Lemos. Ambos defendiam a emancipação feminina, ele mais incisivo nas declarações, o que lhe terá causado contratempos junto da igreja. Quanto a ela, as suas crónicas naquele Verão de 1899 impeliam as mulheres a reivindicarem os seus direitos: «que façam por conquistar a igualdade civil e política, que sejam nos bancos das Escolas as dignas rivais dos mais inteligentes e dos mais estudiosos.»[ In ESTEVES, João, «O movimento feminista em Portugal – Periódicos (1899-1928)», Faces de Eva 1-2, Edições Colibri, 1999.]
Beatriz Pinheiro acreditava também que a independência económica da mulher - «sem precisar de um homem que a mantenha» - só podia ser atingida mediante uma educação maior. Também para ela o contributo feminino era essencial para a construção da Paz Universal.
Uma outra mulher à frente do seu tempo seria Angelina Vidal, nascida em meados do século XIX, filha do maestro Joaquim Casimiro, que começaria a colaborar nos jornais sob o pseudónimo de uma republicana vizeense. Embora fosse uma mulher da burguesia, cedo se começou a interessar pelas classes mais desfavorecidas, perseguindo assim o seu ideal de viver numa sociedade mais justa e liberal. Foi a partir das comemorações do tricentenário de Camões em 1880 e do Marquês de Pombal em 1882 que se fez notar pela sua eloquência e pelo seu entusiasmo em prol da classe operária. No ano seguinte começou a escrever no jornal dos operários do tabaco, A Voz do Operário (nascido em 11 de Outubro de 1879). Contudo, já a partir de 1864, após o fim do monopólio do tabaco, os patrões desta indústria, para manterem a sua rentabilidade começaram a contratar mão-de-obra feminina mal paga; o mesmo fenómeno aconteceu com a indústria dos têxteis. Na indústria do papel a mão-de-obra feminina era também maioritária. Sob a iniciativa de José Fontana, em 1872 nascia a secção de Lisboa da Fraternidade Operária, uma organização que punha em prática a igualdade entre os sexos e elegia uma mulher na presidência da terceira secção das tecedeiras de Lisboa da Fraternidade Operária. Alguns anos depois, em 1894, o jornal A Federação de 29 de Julho (ano I, nº30) escrevia que eram cerca de 2000 as filiadas nas associações profissionais em Lisboa, número já importante na época.
Para além de colaboradora de A Voz do Operário, Angelina Vidal foi também colaboradora de muitos outros periódicos (O Tecido, O Trabalhador, etc.) e foi proprietária e principal redactora de Sindicato, Justiça do Povo e Emancipação. Mas para além deste traço de solidariedade para com a classe operária, e do seu desejo de justiça social, como é manifestado também por outras mulheres, há na produção desta jornalista e escritora um outro traço comum, muito ao gosto da época: a poesia e as peças de teatro, escritos mais emocionais e ingénuos, saídos da pena de uma alma feminina (nome do Boletim Oficial do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, de 1914, organização federada numa instituição internacional, «The International Council of Women», depois transformado em 1917 na revista «Alma Feminina», até 1946, orgão do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas).
Segundo reza a história de Angelina Vidal, e apesar do seu testemunho combativo, o governo recusou-lhe uma pensão por viuvez em virtude da morte do seu marido em 1894, oficial da armada numa missão em África, devido à actividade política dela e às suas ideias republicanas. Se a monarquia não lhe reconheceu os méritos, mais tarde a República não a tratou melhor.
Encontramos essa mesma atitude, com a reformulação da lei que permitiu a Carolina Beatriz Ângelo votar. Tendo combatido ao lado dos homens para implantar a República, era legítimo às mulheres que esperassem dela as grandes reformas que reconhecessem as suas capacidades políticas. As mulheres serviram os ideais da República, esta é que uma vez tomado o poder não soube respeitar as companheiras de luta. Visível a partir de 1911, a luta feminista virá a ser radicalizada, o que esteve patente no apelo das republicanas, de que é exemplo este discurso de Ana de Castro Osório às operárias: «Associai-vos, porque a associação é a maior força da natureza, mas associai-vos enquanto mulheres, porque antes de serdes operárias vós ereis já
mulheres, e depois disso continuareis a sê-lo.» [Resposta de Ana de Castro Osório ao Germinal – As operárias das fábricas de Setúbal e a Greve, no jornal O radical, in COUTO-POTACHE, Dejanirah, «Les Origines du Feminisme Au Portugal», Utopie et Socialisme au Portugal au XIXe Siecle, Actes Du Colloque, Paris, 10-13 Janvier 1979, FCG, CCP, Paris, 1982, p.466].
No entanto, como ela escreveu também, «a questão feminista não se confunde com a questão operária». O que, com mais exemplos da história económica e social a acrescentar a este, em que as feministas da burguesia combatem por umas razões e a classe operária feminina por outras, se vem demonstrar que a luta das mulheres precisa regressar ao essencial, o qual nem sempre é visível - o lugar das mulheres na sociedade do seu tempo. Disso depende a união das suas forças.