25.10.06

A Carta - Parte I

Grandes documentos começam numa carta. Assim foi com a Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco a 26 de Junho de 1945 e que, de acordo com o seu artigo 110.º, entrou em vigor no dia 24 de Outubro daquele mesmo ano.

Recuando um pouco mais no tempo, a precursora das Nações Unidas havia sido a Sociedade das Nações, com uma organização concebida em circunstâncias semelhantes durante a Primeira Guerra Mundial e estabelecida em 1919, em conformidade com o Tratado de Versailhes, «para promover a cooperação internacional e conseguir a paz e a segurança». Por ocasião da assinatura do tratado, a 28 de Junho, Louise Weiss (n. Arras,1893-1983), munida de um passe de imprensa, acorria à sessão oficial. Dirigia uma revista que tinha fundado, de política francesa e internacional, Europe Nouvelle, desde Janeiro de 1918 (e até 1934). Muito marcada pela Primeira Guerra, esta escritora, jornalista, europeísta e feminista, participa vivamente na construção europeia, ao integrar o movimento intelectual que militava por uma paz federativa. Para esta mulher, a Europa devia ter uma cultura e uma alma: europeísmo, universalismo e pacifismo são indissociáveis. A sua revista, um instrumento científico de informação sobre a vida da Europa, difundia as ideias de Aristide Briand, cujas análises partilhava e a quem apelidou de «peregrino da paz». Galardoado com o prémio Nobel da Paz - político francês, Aristide Briand (n.1862-1932) teve em primeiro lugar a pasta da Instrução Pública e da Cultura, o primeiro dos seus 26 cargos no governo - foi uma das grandes figuras pioneiras da construção europeia. Briand tinha feitos os seus estudos em Direito e foi fundador do diário socialista L’ Humanité.
Pelo seu lado, Louise Weiss criou em 1930 a Nouvelle Ecole de la Paix, um estabelecimento livre de ensino superior destinado a sustentar a acção da Sociedade das Nações. Mas a partir de 1934 a situação internacional muda e a opinião pública é cada vez mais hostil à ideia de uma Europa unida; ela deixa a direcção da sua revista, e passa a ocupar-se de um outro combate: o das mulheres. No final daquela década, criou o Comité dos refugiados, para acudir às pessoas perseguidas pelo regime nazi na Alemanha, e quando a França foi invadida, Louise entrou para a Resistência sob o nome de Valentine. Em 1971 criou uma fundação e um prémio anual para prolongar a sua acção em favor da unidade europeia e do avanço das ciências da paz. Em 1979, ela é eleita deputada ao Parlamento Europeu, onde propõe a criação de um Museu da ideia europeia.
Sobre as suas ideias, as suas viagens, os seus combates, há muito para contar. Cito apenas uma entrevista que ela deu a 18 de Julho de 1979 a Paul Collowald, onde afirmou:
«Se os europeus tomassem consciência deste fundo comum de cultura que existe desde a Idade Média, (...) creio que esta tomada de consciência facilitaria a solução das questões puramente materiais(…).» [In Louise Weiss L’Européenne, Foundation Jean Monnet, Centre de Recherches Européennes, Lausanne, 1994, p.507.]
Em suma, segundo Louise Weiss, seria ideal que cada pessoa europeia se dissesse europeia e, agora no nosso caso, ‘portuguesa’. Pois a «especificidade que forma a riqueza da nossa civilização permanece como apanágio das pátrias, e estas reconhecem-se indissociavelmente ligadas por uma maneira de pensar e de sentir, que se resume finalmente na defesa dos direitos humanos.»