26.11.06

Pastelaria

«Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos
frente ao precípicio
e cair verticalmente no vício

Não é verdade rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com
fome
porque assim como assim ainda há muita gente que
come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de
muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do
peludo
à saída da pastelaria, e lá fora - ah, lá fora! - rir
de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra».

Mário Cesariny

(f.26 Novembro 2006 )

14.11.06

A CARTA - II

Será preciso ao homem experimentar a guerra para desejar a paz? No pós-guerra, a ideia de paz inundou as nações, que unidas (o nome «nações unidas» terá sido sugerido por Franklin Roosevelt, ainda na conferência dos Aliados, celebrada no ano de 1943 em Moscovo. Celebraram a sua primeira conferência a 25 de Abril (aqui está uma data histórica, aliada à paz e à liberdade e que une várias nações europeias) de 1945. Em Portugal já cumprimos o 50º aniversário sobre a nossa entrada como membro das Nações Unidas. Foi a 14 de Dezembro de 1955, em sessão especial da Assembleia Geral e por acordo entre os EUA e a então União Soviética - resolução 995 (X) -, que o nosso país passou a fazer parte daquela organização (o que entraria em vigor a 21 de Fevereiro de 1956), aceitando doravante as obrigações constantes da Carta das Nações Unidas, da qual reza assim o preâmbulo,

«Nós os povos das Nações Unidas, decididos: preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por duas vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade;
a reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações, grandes e pequenas;
a estabelecer as condições necessárias à manutenção da justiça e do respeito das obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional;
a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de um conceito mais amplo de liberdade;
e para tais fins:
a praticar a tolerância e a viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos;
a unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais;
a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição de métodos, que a força armada não será usada, a não ser no interesse comum;
a empregar mecanismos internacionais para promover o progresso económico e social de todos os povos;
Resolvemos conjugar os nossos esforços para a consecução desses objectivos.
Em vista disso, os nossos respectivos governos, por intermédio dos seus representantes reunidos na cidade de São Francisco, depois de exibirem os seus plenos poderes, que foram achados em boa e devida forma, adoptaram a presente Carta das Nações Unidas e estabelecem, por meio dela, uma organização internacional que será conhecida pelo nome de Nações Unidas.»

Também a 10 de Dezembro assinala-se o Dia dos Direitos Humanos - resolução 423 (V) - uma forma de marcar o aniversário da adopção pela Assembleia Geral da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948.
Se os fundadores da ONU ansiavam poder evitar novas guerras, essa esperança morreu certamente em cada conflito armado a que assistiram, para renascer posteriormente, numa espécie de eterno retorno ao momento da paz.
Mas para as mulheres – rectaguarda social em todas as guerras, ou esforço ‘de vida’ aliado ao esforço de guerra implícito ao conflito armado – um novo tempo surge a seguir à primeira guerra. O papel da mulher na construção da Europa entre as duas guerras foi ganhando protagonismo. Ela quer intervir na construção europeia. Tal como em França temos o exemplo de Louise Weiss, jornalista e feminista ao serviço da paz, em Portugal temos o exemplo de Elina Guimarães (n.1904-1991), «feminista, jurista, e escritora» (definição, por esta ordem, da própria, citada in Elina Guimarães, Uma Feminista Portuguesa, Vida e Obra 1904/1991, CIDM, Lisboa, 2004, p.35.), também uma pacifista, europeísta e, membro do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, tendo escrito em muitas publicações nacionais, entre as quais menciono, quase diria, de raspão, este trecho do Portugal Feminino (1930):

«O feminismo, nunca é demais repeti-lo, há muito que já deixou de ser uma mera utopia para assumir os aspectos concretos e variados duma ideia em marcha. È por isso indispensável conhecer as suas grandes orientadoras e realizadoras, as Associações Internacionais Femininas.
Estas representam desde já no mundo uma fôrça muito maior do que vulgarmente se supõe, força altamente benéfica pelo altruísmo dos seus ideais, e cujo poder diàriamente aumenta.» (Elina Guimarães, «Associações Internacionais Feministas», «Página Feminista», Portugal Feminino, Abril de 1930, in Elina Guimarães, Uma Feminista Portuguesa, Vida e Obra 1904/1991, CIDM, Lisboa, 2004).