É na imprensa que se pode ler parte do pensamento feminino sobre a situação da mulher e o seu papel na sociedade oitocentista. Quando em 1849 surgia a Assembléa Litteraria– Jornal D’Instrucção , o primeiro jornal dirigido e fundado por uma mulher, Antónia Gertrudes Pusich (1805-1883), tal facto criava um marco – um antes e um depois na divulgação da escrita feminina - já que a partir daí os nomes femininos passavam a constar regularmente junto aos respectivos artigos, em vários periódicos, e isto não só na imprensa feminina. Na senda de Pusich, numerosas mulheres vieram a destacar-se nos jornais literários, de moda, noticiosos ou políticos, o que representou o início de uma luta pela sua visibilidade e pelo seu reconhecimento para além do agregado familiar, onde se desenvolvia toda a sua vida enquanto esposas, mães, ou filhas. O mundo lá fora, do trabalho, da economia, da política, enfim, dos poderes formalmente constituídos, era-lhes na realidade vedado, mas através da sua presença na imprensa, lado a lado com os homens, as mulheres sairam da sombra e partilharam um espaço público antes reservado ao género masculino. Essa intervenção pública através da escrita ganha contornos definidos, sociais e políticos, e suscita o diálogo entre os pares, fazendo da mulher uma nova actriz social. Sobre isto, o ensaísta D.António da Costa escrevia «Neste grandioso teatro, que se chama a pátria portuguesa, não basta que a mulher seja espectadora, é necessário que represente o seu grandioso papel».[A Mulher em Portugal, livro publicado postumamente, em 1892]
O jornalismo escrito por mulheres é de grande relevo na segunda metade do século XIX para a construção do feminismo de primeira vaga, momento histórico em que certos nomes como o de Antónia Pusich, começam por definir um caminho pioneiro naquilo que virá a ser a consciencialização da mulher, e a luta para alterar o seu estatuto (familiar, económico, social, político, jurídico e legislativo), que irá mais tarde ajudar a sedimentar o combate das republicanas pelos direitos civis, nomeadamente pelo direito ao voto. A luta de Antónia Pusich como mulher representante do sector mais esclarecido da sociedade foi essencialmente pelo acesso à instrução, elemento central para uma tomada de consciência colectiva e uma das principais reivindicações oitocentistas. Para além de A Assembléa Litteraria, ela fundou também outros dois jornais: A Beneficiência (1852/5) e A Cruzada (1858).
Nascida na ilha de São Nicolau, Cabo Verde, ela era filha de um oficial da armada de Ragusa, um general que pertencia ao império Austro-Húngaro, homem culto, que tinha vindo para Portugal a convite do embaixador português em Turim. António Pusich esteve ao serviço de D.Maria I, casou em Queluz e Antónia foi a penúltima dos seus seis filhos. Sendo nomeado para governador em Cabo Verde, é aí que a sua filha vem a nascer. Depois, já em Lisboa, ela viveu no número 265 da Rua de S.Bento (frente à Assembleia da República), na freguesia de Sta.Isabel. Antes de dirigir a Assembléa Litteraria, havia colaborado com a Revista Universal nas décadas de 30 e 40. Mas ela não só tem a coragem de fundar um jornal, como através deste veicula esta ideia de que a única maneira de a mulher ter igualdade de direitos é através de uma liberdade intelectual. O jornal é sempre um veículo da necessidade de instrução e de melhoria da condição feminina. A sua abertura de espírito era muito grande, sobretudo no contexto histórico de 1849. Frequentadora da galeria das senhoras na câmara dos deputados, ela queria participar na vida política – esta fazia parte do seu conceito de civismo e de cidadania - e saber quais os assuntos prementes que o país discutia. Intelectualmente, Antónia Pusich é de facto uma precursora do movimento feminista.
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