Passadas que estão tantas revoluções, continuamos a precisar de uma utopia que bem pode ter a forma de uma Carta e assentar em valores como a liberdade, a igualdade, a solidariedade, a justiça e a paz.
O movimento necessário à história continua a depender do desejo de atingir uma sociedade perfeita, igualitária, onde a universalidade de direitos seja tão importante como o amor.
Depois da Conferência de Pequim em 1995 surgiu a ideia de uma Marcha Mundial das Mulheres, no momento em que se organizava no Québec a Marcha das mulheres contra a pobreza, «Du pain et des roses». Em jeito de parênteses, não posso deixar de pensar na história portuguesa e na Rainha D. Isabel (n.Saragoça, 1271- f.Santarém, 1336), a quem chamaram de Santa. É por demais conhecido o episódio em que ela, por ser muito piedosa e ajudar os pobres, transforma os pães que leva escondidos no regaço em rosas, no momento em que é interpelada por D.Dinis, respondendo: «São rosas Senhor!». Aqui está uma precursora secular neste movimento global contra a pobreza, batalha que se desenrola agora em várias frentes, desde a música popular urbana (de Bob Geldof a Bono Vox) por meio da qual os líderes mundiais são pressionados a minorar a fome em África, até às organizações não governamentais que lutam contra a pobreza no mundo.
Foi uma acção concreta contra a pobreza no Québec (curiosamente, um dos esboços da Declaração Universal dos Direitos Humanos foi feito pela pena de John Peters Humphrey, do Canadá.) que despertou em muitas militantes feministas o gosto pela acção colectiva e o desejo de que mudanças concretas acontecessem na vida das mulheres confrontadas com a pobreza. A tudo isto se juntava a esperança de que a sociedade local reconhecesse o feminismo como instrumento de transformação social. Nos meses de Maio e Junho de 1995 e por iniciativa da Federação das Mulheres do Québec (FMQ), cerca de 850 mulheres marcharam durante 10 dias para reclamar medidas para eliminar a pobreza. Os laços desenvolvidos com grupos de mulheres de outros locais constituiu o passo seguinte para a formação de um movimento mais alargado. ( Sobre a Marcha Mundial das Mulheres a revista Artigo Feminino de Outubro de 2005, ed.Mar da Palavra, abriu com um texto de uma feminista de longa data, Diane Matte, professora, que foi a coordenadora da Marcha contra a pobreza «Du pain et des roses» que teve lugar no Québec e mobilizou 40 000 pessoas. Ela é a coordenadora desta rede de acções mundial, continuando a trabalhar persistente e solidariamente com vista a colocar fim à pobreza e à violência contra as mulheres.)
Em Outubro de 1998 dava-se o primeiro encontro internacional e cerca de 140 representantes de 65 países adoptavam em Montreal os dois temas da Marcha: eliminação da pobreza no mundo e eliminação da violência sobre as mulheres, temas que são desdobrados em 17 reivindicações mundiais. Portugal esteve ali presente, através da Umar (União de Mulheres Alternativa e Resposta) e da então presidente Helena Pinto.
Durante 2000 as Coordenações Nacionais constituiram-se e redigiram plataformas de reivindicações nacionais, organizando acções e marchas. O dia do lançamento oficial a nível internacional da Marcha Mundial das Mulheres foi a 8 de Março, com a apresentação de uma campanha que visa recolher milhões de assinaturas em apoio às reivindicações. Ainda naquele ano, a 17 de Outubro, Dia Internacional para a Eliminação da Pobreza, 10 000 mulheres marcharam nas ruas de Nova Iorque, ao mesmo tempo que uma delegação transmitia as reivindicações aos responsáveis da ONU, entregando-lhes igualmente os cinco milhões de assinaturas recolhidas em todo o mundo. Como se vê um trabalho laborioso, com uma visão que rejeita a mundialização neoliberal, e quer dizer não à fatalidade da pobreza. Como escreveu Diane Matte na Artigo Feminino «é a convicção profunda da importância do movimento autónomo das mulheres como lugar de trocas, de aprendizagem, de análise de realidades comuns, de acções feministas e de construção de alternativas por um mundo sem opressão, que guiou os nossos passos, apesar do imenso desafio que isso representou».
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