24.4.10

«Mulheres do meu país»

Deu-nos Abril
o gesto e a palavra
fala de nós
por dentro da raiz
Mulheres
quebrámos as grandes barricadas
dizendo igualdade
a quem ouvir nos quis
e assim continuamos
de mãos dadas
o povo somos
mulheres do meu país
Maria Teresa Horta, «Mulheres do meu país», Mulheres de Abril, in Poesia Reunida (Dom Quixote, Lisboa, 2009)

23.4.10

Por um mundo melhor


A Marcha Mundial das Mulheres iniciou a sua 3ª Acção Global no passado 8 de Março em 52 países e está de novo na rua em Portugal para celebrar o 25 de Abril e o 1º de Maio.
Datas com profundo significado para o povo português e para as mulheres, em particular, porque foi na sequência dessas datas históricas que conhecemos o gosto da Liberdade, da Igualdade, da Solidariedade, da Justiça, da Paz e da conquista de direitos.
Caminho feito de lutas, de vitórias, mas também de frustrações. De novos desafios, mas também de riscos de retrocesso em algumas conquistas. Por isso, estamos aqui de novo na rua a marchar, mobilizando mais mulheres para esta luta que é nossa e de toda a sociedade. Queremos mudar a vida das mulheres para mudar o mundo e mudar o mundo para mudar a vida das mulheres!
Neste ano de 2010, nós mulheres estamos em marcha contra a guerra e os conflitos armados, contra a violência nas nossas casas e nos nossos locais de trabalho, contra a divisão sexual do trabalho, pela igualdade salarial e de direitos, contra a mercantilização das nossas vidas, sexualidades e corpos, contra a privatização da natureza e dos serviços públicos, pela soberania alimentar e energética… Queremos denunciar o sistema capitalista, patriarcal, racista e homofóbico, gerador de múltiplas desigualdades e discriminações, que concentra a riqueza nas mãos de uma minoria e condena à pobreza a imensa maioria da população mundial. Queremos lutar por um outro mundo que reclamamos possível e urgente: um mundo igualitário, livre, solidário, justo e em paz.
E neste 1º de Maio, dizemos: Neste país, onde as mulheres são mais vulneráveis à pobreza, onde recebem cerca de menos 19% dos salários dos homens, a quem a precariedade afecta de forma mais gravosa e onde o trabalho doméstico ainda é na sua maioria assegurado pelas mulheres, estaremos em marcha também pela igualdade no trabalho e nas responsabilidades familiares.

A Coordenadora da Marcha Mundial das Mulheres em Portugal

O largo de todas as esperanças


O carimbo da Deolinda



22.4.10

parabéns Nuno Gama

A capa inspirada na capa de honras, peça nobre do traje popular português, foi retrabalhada por nuno gama para o outono/inverno 2010/11. Originalmente (ainda se usava em terras de Miranda na primeira década do séc.XX) esta peça descia até aos pés, tinha uma decoração muito complicada, e a sua confecção era confiada a um alfaiate que podia demorar 60 dias neste trabalho. Era bastante ornamentada de lavores nas ombreiras, na gola e no capuz (in Cristina L. Duarte, Trajes regionais - gosto popular, cores e formas», CTT, Lisboa, 2007). Nuno Gama, que celebra hoje o seu aniversário, acrescentou-lhe como efeito de estilo uma máscara, dando-lhe um ar mais misterioso, e intitulou a sua colecção «soldades da saudade», apresentada em março (Foto: Rui Vasco/Arquivo ModaLisboa).

19.4.10

A conferência da conciliação

Conciliação” é o título do projecto que vai ser apresentado numa conferência na próxima quarta-feira, dia 21 de Abril de 2010, a partir das 10h00, na Universidade Católica, Faculdade de Ciências Humanas (Anfiteatro 1), em Lisboa.
Actualmente em fase de desenvolvimento na Noruega e em Portugal, o projecto tem como objectivos principais a conciliação da vida familiar com a vida profissional. Com a coordenação em Portugal do Instituto de Ciências da Família da Universidade Católica Portuguesa, «Conciliação» é promovido pela Associação Portuguesa das Famílias Numerosas e integra vários parceiros - Associação Nacional dos Munícipios Portugueses, munícipios de Leiria e Faro, Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério do Trabalho e Solidariedade Social e, o parceiro norueguês, a Associação das Autoridades e Regionais (KS). A sessão de abertura e boas-vindas da conferência conta com as intervenções de Isabel Gil, da Faculdade de Ciências Humanas da UCP, Maria do Rosário Carneiro, do Instituto de Ciências da Família da UCP, e de Inga Magistad, Embaixadora da Noruega em Portugal.
Estará presente Elza Pais, Secretária de Estado da Igualdade, que dará início ao primeiro painel da manhã, sobre «Importância da Conciliação entre Vida Familiar e Profissional» (10h30).
O programa desta conferência prolongar-se-á até às 17h00, hora prevista para conclusões e encerramento dos trabalhos.

16.4.10

Voluntariado


Uma árvore plantada em nome de...

Carolina Beatriz Ângelo: em nome da cidadania, da fraternidade e da igualdade

Nascida há 132 anos, a 16 de Abril de 1878, na cidade da Guarda, Carolina Beatriz Ângelo revelou-se uma das figuras mais emblemáticas do feminismo e do republicanismo da 1.ª década do século XX, sabendo dosear a medicina com a militância associativa, política e maçónica assente na reafirmação incessante de direitos para as mulheres.
Destacou-se enquanto estudante, quer na cidade natal, onde fez o Liceu, quer na capital, ao frequentar a Escola Politécnica e, depois, a Escola Médico-Cirúrgica; realizou-se profissional e humanamente como médica, formada em 1902; envolveu-se, entre 1906 e 1911, na edificação do associativismo feminista de matizes pacifista, maçónico, republicano e sufragista; conspirou, em 1910, pela República, bordando, com a colega, amiga e companheira Adelaide Cabete, as bandeiras desfraldadas durante o 5 de Outubro; e com a República transformou-se numa denodada batalhadora pelo sufrágio feminino, mesmo que abrangendo uma minoria.
Mais discreta na exposição pública do que as contemporâneas foi, no entanto, a única líder a unir as diferentes vertentes do embrionário feminismo português: abraçou o Pacifismo ao aderir, em 1906, ao Comité Português da associação francesa La Paix et le Désarmement par les Femmes; integrou, em 1907, a Loja Humanidade, da qual foi Venerável; esteve na formação do Grupo Português de Estudos Feministas (1907-1908); emparceirou na Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (1908-1911); e, em 1911, dando ênfase ao seu sufragismo, construiu com Ana de Castro Osório, a Associação de Propaganda Feminista.
Fez do seu consultório um locar privilegiado da sua curta vivência: procurou, simultaneamente, atenuar as maleitas das doentes que a procuravam, com as quais se preocupava deveras, e encontrar soluções para os males que afectavam o país, promovendo encontros, reuniões, discussões, transformando-o num centro difusor dos ideários que abraçara.
Inconformada, rebelde, temperamental, decidida e consequente, não abdicou de princípios e reforçou as suas convicções enquanto feminista e sufragista quando a revolução republicana saiu vitoriosa. Então, e numa militância diária frenética, integrou delegações que conferenciaram com os novos poderes políticos, assinou as reivindicações que lhes foram apresentadas, criticou a benevolência com que eram tratados os conspiradores monárquicos, preocupou-se com as divisões entre os republicanos, assistiu à abertura solene da Assembleia Nacional Constituinte e encetou diligências para que a Constituição consagrasse o sufrágio feminino restrito.
A Carolina sufragista revelou-se determinada ao intuir que a lei eleitoral de Março de 1911 não vedava explicitamente o voto às mulheres. Enquanto viúva, chefe de família e uma filha a seu cargo, quis recensear-se. Não a deixaram! Recorreu para os tribunais, a pretensão foi atendida e teve direito a inscrever-se como eleitora. Chegado o dia 28 de Maio, a eleitora n.º 2513 apresentou-se na assembleia de voto do Círculo n.º 34 de Lisboa Oriental, sita no Clube Estefânia, e preparou-se para votar. Ainda aí, levantaram problemas: o presidente da mesa pôs o caso à discussão, invocando que lhe tinha constado que o Governo tinha mandado auscultar o Procurador-Geral da República, e teceu considerações sobre o voto das mulheres. Mas Carolina votou sob uma salva de palmas dos presentes.
Com esse gesto de colocar o boletim de voto numa urna fez História e tornou possível o que se julgara impossível: uma mulher votar e ela foi pioneira em toda a Europa do Sul e na esmagadora maioria dos países. Recebeu reconhecimento nacional e internacional, foi fotografada, retratada, entrevistada e biografada, o seu acto teve repercussões além-fronteiras e abriu portas à internacionalização do feminismo português, com a adesão, no mesmo ano, da Associação de Propaganda Feminista à International Woman Suffrage Alliance (IWSA).
Subitamente, a 3 de Outubro de 1911, com apenas 33 anos, morreu ao regressar de uma reunião política, com a consolação de ter vivido muito em pouco tempo e de se ter entregado a causas que considerava justas, independentemente dos dissabores, incompreensões e desilusões. Deixou escrito que queria um enterro civil e dispensava a família, sobretudo a filha, de usar luto.
Quase cem anos depois, deparamo-nos com uma cidadã de plena actualidade: profissional competente, cidadã empenhada, mulher interventiva e crítica. Relembrá-la é um gesto de justiça, mas não chega. É preciso conhecê-la, estudá-la, divulgá-la, inscrevê-la no devido lugar da História e a plantação deste carvalho, por feliz iniciativa da UMAR, é mais um importante contributo nesse sentido.

João Esteves
16 de Abril de 2010

Carolina Beatriz Ângelo, n.16 Abril



Homenagem a Carolina Beatriz Ângelo (1878/1911), feminista e republicana, a primeira mulher a votar em toda a Europa do Sul

6ª feira – 16 de Abril de 2010
15h – Parque da Bela Vista – Lisboa

Plantação de um carvalho

Com a colaboração da Câmara Municipal de Lisboa

Com intervenções do historiador
João Gomes Esteves e da Sra Secretária de Estado da Igualdade Dra Elza Pais

Uma iniciativa da UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta

Ponto de encontro: junto ao pórtico metálico de entrada, o mesmo que serve de acesso ao Rock in Rio; quem for de transportes públicos, sai na estação de Metro da Bela Vista e segue as setas do parque e/ou do rock in rio.

15.4.10

Baltazar - Paris - Deco - Nova Iorque



uma personagem - audrey - viaja aos anos 30, via paris e via nova iorque, usando um look descomprometido: uma ficção de Nuno Baltazar para vestir no próximo outono/inverno.

Fotos: Rui Vasco/ Arquivo ModaLisboa

Buchinho


Inaugura este mês no Porto uma exposição que comemora os 20 anos da carreira do criador de moda Luís Buchinho (n.Setúbal, 1969).
INAUGURAÇÃO *SÁBADO, 24 DE ABRIL, 17H PEDRAS E PÊSSEGOS
PRAÇA CORONEL PACHECO N34 PORTO
EXPOSIÇÃO DE 28 DE ABRIL A 29 DE MAIO NA GALERIA DAMA AFLITA
RUA DA PICARIA N84 PORTO
Foto: Rui Vasco/Arquivo ModaLisboa (34ªedição - Outono/Inverno 2010/11)

cidade

De 15 de Abril a 30 de Junho, no Padrão dos Descobrimentos (Av.Brasília) e no Arquivo Fotográfico Municipal de Lisboa (Rua da Palma, 246).

14.4.10

A linha dos White Tent


Apresentada na 34ªModaLisboa, a colecção Outono/Inverno da jovem dupla seguiu, segundo Ricardo e Eva explicam, uma linha recta e uma linha curva, na descoberta e exploração de novas assimetrias. Um trabalho também a seguir, de perto: White Tent.

Foto: Rui Vasco/ Arquivo MOdaLisboa.

13.4.10

Abrir uma paisagem (II)


Ana Albuquerque, Rito de passagem; Rite of passage/ Birth / bracelet/ gold 800 pebble/ 2009

«A rite of passage is a ritual that a person must go through in order to progress to the next stage of their life. It is a universal phenomenon which can show anthropologists what social hierarchies, values and beliefs are important in specific cultures. Rites of passage are often ceremonies events.»

12.4.10

a decorrer...


Abrir uma paisagem

«Gray Area Mexico 2010» tem início hoje na Cidade do México. «Comezó como uma necesidad urgente: diversificar el panorama internacional de la joyería contemporânea. Pronto se transformó en una idea: reunir a entusiastas de la joyería contemporánea en un torno tan poco habitual como excitante. Para culminar en un proyecto a gran escala: un simposio de 5 dias, 2 talleres y 12 exposiciones que reunirán a gente de más de 30 países de los 5 continentes.»
A participante portuguesa no simpósio é Cristina Filipe, com a sua comunicação «Derrubar um Muro, é Abrir uma Paisagem» (que começou hoje às 12h35), no interior do tema I, «Que significa para nós Joalharia, identidade e comunicação?». Os outros temas no interior dos quais estão inseridas as demais comunicações são as seguintes: «Dois lados da mesma moeda: o estado da joalharia contemporânea», e «Reorganizar a área cinzenta: criar, conectar, disseminar». Várias obras de artistas portugueses estarão patentes nas mostras da «Área Gris México/ Gray Area», em que se contam Ana Albuquerque, Manuela Sousa, Filomeno Pereira de Sousa, Catarina Dias, Madalenna Avelar, Inês Nunes, Alexandra Serpa Pimentel, Rui Effe, Tereza Seabra, Paula Madeira Rodrigues, David Pontes, e Carla Gaspar.

9.4.10

Dourado



Ricardo Dourado inspira-se na cena nova iorquina para o seu próximo Outono/Inverno, numa colecção cheia de subversões e revivalismos. Um jovem criador a seguir com atenção, que apresentou a sua colecção no passado dia 14 de Março, na ModaLisboa.
Fotos: Rui Vasco/Arquivo ModaLisboa

8.4.10

«A Viagem»

Nos dias 10 e 11 de Abril, A Viagem apresentar-se-á na sala estúdio do Teatro da Trindade em Lisboa. No dia 10 (sábado) o espectáculo é às 21h45 e no dia 11 (domingo) às 17h30.
uma criação de Helena Freitas, Marta Filipe e Natália João Cardoso
.

«A VIAGEM é uma comédia onde habitam três velhas. Aqui se fala da viagem delas. A viagem da sua vida e as viagens do seu imaginário. Juntas partilham o desejo de sair, de ir para outro lugar, a vitalidade que quer adiar a viagem final e as ironias do destino. A VIAGEM não pretende tratar a velhice nem o que lhe é próprio, mas colocar questões, tratar e falar sobre o tema do desejo de mudança e de tudo o que nos prende e restringe. A palavra mudança significa o acto ou efeito de mudar (modificação) e mudar, por sua vez, pode significar substituir uma coisa por uma outra diferente. Nós estamos permanentemente a estruturar áreas da nossa vida sem aceitar a possibilidade da mudança. Todos queremos “segurança” e temos medo de mudar ou perder o que construímos pacientemente no decorrer dos anos. Mas será assim tão difícil mudar? Do que é que precisamos? O que nos impossibilita? Resistimos por preguiça? Indiferença? Medo? Ou porque já não vale a pena? Será que deixar de ter vontade para desejar e agir não é estar envelhecido? »

5.4.10

Moura, de corpo e alma



Alexandra Moura Outono/Inverno 2010/11, 34ª Modalisboa (a 11.03.2010). Uma colecção intitulada ...de corpo e alma..., que «falava» de como o nosso corpo é a alma da peça, e de como o corpo desta é a nossa alma.
Arquivo ModaLisboa/ Fotografia Rui Vasco.

4.4.10

O D(n)A da moda (II)

«He, she and me». Ele, ela e eu. Mais uma colecção de Dino Alves que prova bem o vigor e a veia inspirada e inspiradora deste criador de moda. Desta vez, ele partiu do vestuário masculino, e dos seus fatos, blazers, camisas, calças, e de pormenores ou detalhes como os colarinhos, os punhos, as lapelas e as gravatas. Partiu da roupa de homem, projectou toda uma colecção de mulher, e voltou ao homem, para a representar em passerelle. O universo do teatro kabuki japonês (séc. XVII) e os seus homens intérpretes travestidos inspiraram-no na apresentação da sua colecção Outono/Inverno 2010/11. O que faz um vestido? Uma mulher, ou o vestido? O que faz um fato, o fato, ou a representação dele? Mais uma vez, Dino deixa-nos as perguntas, vestidas pela roupa. A sua vertente de agente provocador é mais uma oportunidade para nós, comuns mortais, estudarmos o género. Eu, pelo menos.














Arquivo ModaLisboa/Fotografia Rui Vasco. Colecção Outono/Inverno 2010/11, apresentada na 34ªModaLisboa, Pateo da Galé, Terreiro do Paço, 14.03.2010.

2.4.10

Ana Salazar, pioneira da moda

Ana Salazar Outono/Inverno 2010/11 apresentada na 34ªedição ModaLisboa (Fotografia Rui Vasco), dia 12 de Março último, no Pateo da Galé, Terreiro do Paço. Título da Colecção «Depurar o excesso» - com jóias de Valentim Quaresma -ou uma outra forma de interpretar o Barroco no universo da criadora, sobre quem deixo aqui um texto publicado em Dezembro de 2008 na revista Faces de Eva 20, no interior da secção «Pioneiras» (edição da Colibri e universidade Nova de Lisboa)

Uma das nossas mais recentes conversas sobre o seu pioneirismo na moda e em Portugal levou-nos até à capital londrina e a esses anos muito marcantes do início da década de 70: «foram anos muito giros em Londres, talvez comece aí esta história...com os Beatles, a editora Apple, Carnaby Street». Mais importante do que as correntes, diz Ana Salazar, era a ousadia. «Ao contrário do que acontecia aqui em Portugal, onde as pessoas eram muito clássicas. Quando A Maçã abriu portas, as pessoas que se vestiam naquela loja - era um pouco toda a gente, passando pelos designers, e pelos artistas - ousavam realmente: vestiam as gangas todas rasgadas, com as lantejoulas, os veludos, os patchworks, aquelas camisas indianas e aqueles colares todos. E mulheres que eram normalmente muito clássicas, elas próprias sentiram desejo de mudança. Depois com a revolução de 74, pessoas que não tinham poder de compra começaram a aderir a essa situação. Foi uma época de democratização também na moda. Começou tudo a andar com aquele tipo de roupa. As pessoas que ficaram por cá, divertiram-se imenso».
Ana Salazar estreou-se no mundo da moda há 36 anos, quando abriu a sua primeira loja em Lisboa, na avenida da Igreja. Em perfeita sintonia com a onda londrina, A Maçã era uma espécie de oásis no novo bairro em construção de Alvalade. Ana tinha dado início a uma revolução antes da revolução. Não criava ainda roupa, mas as propostas de moda que seleccionava em Londres iam ao encontro de uma abertura que se começava a sentir aqui na maneira de vestir. Mas o que significa para ela ser chamada de pioneira? «É uma mulher que arranca com todo um processo que não era de todo conhecido até essa data, a essa mulher e numa determinada área.». Ou seja, no seu caso pessoal «isso é a história, foi uma coisa que aconteceu: a minha vontade e apetência por fazer moda. Depois penso que foi uma revista profissional - Profession textile (1)
- onde venho na capa, «La pionniére de la mode au Portugal», depois de estar em Paris havia uns dois ou três anos,. Isso acabou por vir a ter ecos aqui. O que aconteceu foi eu gostar de moda e ter conseguido fazer moda em Portugal.»
Vivendo num país sem muita tradição de moda, baseada aqui numa reprodução e montagem de modelos, praticadas nos ateliers de costura a partir das famosas toiles (modelagem construída em tecido de pano crú) que eram trazidas sobretudo de Paris, Ana recorda que, naquela altura, o que existia eram as costureiras, as modistas: «ia-se à modista com as revistas na mão, as Burdas, etc., e pedia-se para fazer igual. Agora, com alguma tristeza minha, passou-se tanto tempo, vejo que se passa isso outra vez, há pessoas de diferentes gerações que querem ir fazer de novo o que vem na revista X, Y e Z. É uma coisa de que me mantive sempre afastada». Portanto, quebrar com essa fase da modista significava fazer algo que fosse diferente? «Que fosse novo e diferente do que vem em todo o lado. Penso que a minha principal característica, a característica das colecções Ana Salazar, é realmente procurar sempre a inovação, o novo. É evidente que há sempre referências, mas isso é utilizar uma referência para depois a transformar».
Pouco depois de começar a comprar peças de pronto a vestir a fornecedores ingleses, «eles disseram que as peças que produziam para nós – e para as quais eu já dava indicações e misturava modelos - eram as que mais vendiam para o resto da Europa. Penso que aí já se revelou toda uma apetência inata para fazer um determinado tipo de moda.»
«Só uns anos mais tarde começou a proliferação de escolas de moda em Portugal; obviamente que toda a gente que faz uma escola de moda é estilista. Há uma palavra em França sobretudo que disciplina essa situação: criador e criadora. Estilista é toda a gente que faz uma escola de estilismo, o criador é alguém que cria. A palavra cá em Portugal soa um bocadinho forte». Criador(a) de moda é também alguém que tem a capacidade de criar um estilo único, adaptado ao pronto a vestir (distinto da ideia subjacente aos antigos ateliers de costura). E é aí que reside igualmente o pioneirismo de Ana Salazar, tendo como ideia subjacente uma democratização da moda.
A sua ideia de romper com o passado é algo que se mantém até aos dias de hoje. «Estou sempre a querer ir mais longe no que respeita ao novo e a experimentar coisas absolutamente inusitadas. Muitas pessoas que começaram com coisas ousadas e especiais, hoje já se vergaram um bocado ao mercado. Eu não me tenho vergado. De uma forma geral, o mercado não está bom para ninguém. Tenho sobrevivido porque [Ana Salazar] é uma coisa muito única, mas é um nicho de mercado».
A empresa que montou com Manuel Salazar em 1974 mantém-se até hoje; com o nome Fundamental, fábrica que chegou a ter 50 pessoas a trabalhar. Hoje funciona como atelier e gabinete criativo. Em 1977 a criadora começou a desenvolver uma marca própria, designada Harlow, para exportação e também para comercialização na Maçã. A colecção foi mostrada na FIL (2)
, num stand inspirado no cinema: «Durante muito tempo falou-se nesse acontecimento. Com ele iniciou-se todo um conceito de espectáculo e de mise-en-scène ligados a moda que não existiam em Portugal nessa época.(...) Inventavam-se estruturas e cenários onde não os havia.»(3) A partir daqui, a criadora lançou aquilo a que chamou «Acontecimentos de moda», cuja dimensão e estrutura se distinguia das «passagens de modelos» realizadas pelos ateliers de costura de Lisboa. Ao primeiro destes acontecimentos, a 10 de Maio de 1980 (Hotel Ritz), seguiram-se muitos outros, cerca de 30 até início da década de 90, incluindo aqueles que tiveram lugar em Paris. Depois do Hotel Sheraton (12.10.1980) e da Estufa Fria (8.03.1981), ficaram para a história os grandes desfiles do Coliseu (em 10.10.1981 e em 5.04.1982), que congregaram cerca de cinco mil espectadores, algo inédito e que é comparável ao que aconteceu no Japão: «Quem fez desfiles com este género de conceito foram os designers japoneses (...), por exemplo, o Issey Miyake».(4)
A primeira colecção assinada com o nome da criadora foi a de Outono/Inverno 1982/83 exposta na Sociedade Nacional de Belas Artes (24.10.1982), que fez juz à ligação que Ana sempre manteve ao mundo das artes, mesmo nos seus próprios acontecimentos, em que convidava artistas, e outras pessoas que achava interessante ter na passerelle. «Cheguei até a fazer um desfile na Intermoda [Fil] com pessoas baixas e gordinhas e as manequins ficaram em segundo plano».(5)
Naquele início da década de 80 Ana Salazar lançou a ideia de concessão de espaços nas feiras de moda portuguesa, assim como de acções que divulgassem o trabalho de novos estilistas; a meio da década, foi convidada pelo Museu do Traje a inaugurar ali o Espaço Anos 80. E em 1985 abriu uma loja e escritório comercial na principal capital de moda internacional, para difusão de uma imagem de moda portuguesa. A sua filha Rita Salazar ficou à frente deste espaço, considerado entre os «novos templos da moda» pela revista Marie Claire. Como Ana observa «nos anos 80, as pessoas vestiam-se muito. Hoje sinto que há um bocadinho falta de glamour. Mas devido ao fenómeno low cost as pessoas acabam por acumular muita roupa. Foi a tal década do look, uma década gloriosa, culturalmente apareceu muita coisa, pelo menos em Portugal », como dizia numa entrevista que me deu em Maio de 1995.
Ana Salazar foi também a primeira pessoa em Portugal a conceder licenças, isto é, a conceber linhas, paralelamente à criação de pronto a vestir. Ao longo dos anos 90 esteve assim na origem de linhas de produtos de autor(a), o que era inédito na moda portuguesa. Actualmente são cinco: Cerâmica (Recer), Têxtil-lar (Lameirinho), óculos (Proóptica; no passado, com a IDC, do grupo Alain Mikli); e ainda a linha de Perfumes (Homem, Mulher, e para ambas as linhas Higiene), e a Marroquinaria.
A mulher a quem se dirige Ana Salazar é, desde sempre, uma mulher segura, que sabe o que quer, e afirma a sua personalidade através da roupa, que é a continuação da personalidade. «A roupa não é mais do que um atavio da personalidade.» Ou, traduzindo para castelhano, como escrevia há uns anos a Vogue espanhola, «Ana Salazar: una moda para uma mujer segura, que quiere ser y no parecer».
Se se inspirar numa década em particular, como os anos 20 - ou os Quarentas que são de eleição para ela, talvez por ter nascido nessa década - é logo para a transformar e projectar numa ideia de mulher contemporânea. Ao saber que teríamos a presente revista dedicada a Simone de Beauvoir, imediatamente recordou uma colecção (Verão 88) que jogava um pouco com essa imagem beauvoiriana, do estilo dos cabelos e vestuário inspirados nos anos 40.
Ana lia muito enquanto jovem.Vinte anos passados sobre Memórias de uma menina bem comportada (1968) e quase 60 sobre O Segundo Sexo (1949), continua a ser uma devoradora de revistas. Começou a ler antes de chegar à escola, em casa, e ainda adolescente já andava com a Elle francesa dentro do saco. Depois, mais tarde, Sartre e o existencialismo foram também motivo das suas leituras.
A mãe Ema e o pai Oskar Pinto Lobo (pintor e arquitecto, nascido em Príncipe, descendente de uma família de Goa, e de avô inglês) tinham sempre a casa cheia de amigos. Na casa da Praia da Vitória, junto ao Monumental, havia festas, serões, tertúlias enfim, por onde passavam o João Villaret, António Ferro, Fernanda de Castro, ou Almada Negreiros de quem o seu pai era muito amigo. Ana reconhece-se permanentemente no pai – um homem de figura irrepreensível, sempre muito bem vestido, e a quem no liceu (Camões) chamavam o príncipe perfeito. Da família dele, só conheceu a avó e as duas tias, Olga e Lia (Amélia, que «chegou a andar no liceu»). Quanto a Ema, Ana refere-se à mãe como uma mulher brilhante: «Ela era forte e muito bonita, com muita presença. Era uma mulher loura, com olhos azuis lindíssimos, tinha-lhe uma adoração, mas era raríssimo estar com ela. Aliás, eles nunca estavam comigo; eu estava sempre com a minha avó [materna]. Depois, tudo mudou quando se separaram em 1950, e eu fui para o liceu de Oeiras. A vida da linha do Estoril era totalmente diferente». Naquele liceu, que era misto, os rapazes andavam de vespa, e o ambiente vivido era semelhante ao que se via nas histórias dos filmes americanos dos Cinquentas. O Lido, depois das aulas, ocupa um lugar eleito nas memórias desta menina bem comportada, que muito cedo aprendeu a ler e a escrever, teve aulas de piano, fez patinagem, e gostava de fazer vestidos para si própria com a ajuda da avó, que tinha sido modista de alta costura, e com quem ía passear no Chiado e na Baixa: «Eu não queria normalmente o que estava no mercado; seleccionava as coisas que achava que iriam funcionar muito bem. Às vezes escolhia mesmo tecidos que a minha avó dizia não serem os mais indicados, mas que depois resultavam.»
O seu imaginário de criança fixou uma imagem de uma menina loura de cabelos louros e lisos; sem correspondência no real, acabou por construir um ideal para si própria e aos nove anos já se vestia de uma forma um pouco diferente e esticava o cabelo com a ajuda da avó Arminda que, com papel pardo, lhe passava o «cabelo a ferro».
Numa outra entrevista que lhe fiz em 2003 para o livro que congrega 15 criadores de moda e outras tantas histórias de hábitos de vestir(6)
, Ana afirmava que o caminho está muito mais facilitado do que quando ela começou, numa altura em que nem se sabia o que era um estilista de moda. E como é que nos dias de hoje podemos continuar a ser visionárias, pergunto-lhe? «É uma questão de sensibilidade. São características um pouco individuais e inatas. São aquelas coisas que não se aprendem. A minha actividade faz-me viver. Tenho um interesse enorme por conhecer o novo. Não me preocupo com o passado; coisas que não são interessantes, recordações, tento apagá-las da memória; procuro viver o presente no futuro. Sempre. Isso faz com que uma pessoa procure sempre viver uma série de acções e ser no fundo pioneira a fazer-se isto ou aquilo. Acho que é mais uma mentalidade.»
Cristina L.Duarte

(1) «Ana Salazar: pionniére... Elle a été la premiére à prouver qu’au Portugal la mode pouvait exister. Elle reste encore la seule à realiser un créatif, universel, qui ne doit rien à un folklore local. Elle est celle qui fait bouger les choses et évoluer les mentalités…».
(2) No ano de 1978 Ana Salazar ganhou o prémio de confecção feminina do Salão Intermoda/ FIL. Com essa colecção viajou até Londres e a Paris, ao salão do Prêt-a-Porter. A este prémio, seguiram-se muitos outros, nomeadamente entregues por orgãos de imprensa, e distinções que incluem a Condecoração de Grande Oficial da Ordem do Infante D.Henrique (1997), e o Prémio Nacional de Design 2003 – Troféu Sena da Silva – Carreira (num ano em que foi atribuído em ex-aequo com Henrique Cayatte e José Cruz de Carvalho).
(3) Cristina L. Duarte, Ana Salazar – Uma Biografia Ilustrada, Temas e Debates, Lisboa, 2002, pág. 34.
(4)Ibidem, p.35
(5)Ibidem, p.36.
(6) Cristina L. Duarte, «E Deus criou a mulher Ana Salazar», in 15 Histórias de hábitos – Criadores de moda em Portugal, Quimera, Lisboa, 2003

1.4.10

alice em abril


Alice Pestana nasceu em Santarém, em 7 de Abril de 1860 e é uma das republicanas e feministas da agenda 2010 editada pela UMAR e Faces de Eva. «Defendeu a educação média da mulher por ser um meio de formar a mulher moderna, habilitando-a aos encargos da sua missão complexa», escreveu sobre ela Maria do Céu Borrêcho. Sempre foi sensibilizada para o pacifismo, fundando a Liga Portuguesa da Paz em 1899, de que foi a primeira presidente.
Casou-se em 1902 com o professor espanhol Pedro Blanco, passando a viver em Espanha, onde leccionou Francês e Inglês. A convite do Ministério de Instrução Pública e Belas Artes de Espanha elaborou um estudo e escreveu o relatório La Educación en Portugal, editado em 1915.

A primeira aviadora portuguesa

O artigo publicado da edição de aniversário da revista da Força Aérea Portuguesa Ousar Voar sobre Maria de Lourdes Braga de Sá Teixeira pode ser lido aqui. A não perder!