16.4.10

Uma árvore plantada em nome de...

Carolina Beatriz Ângelo: em nome da cidadania, da fraternidade e da igualdade

Nascida há 132 anos, a 16 de Abril de 1878, na cidade da Guarda, Carolina Beatriz Ângelo revelou-se uma das figuras mais emblemáticas do feminismo e do republicanismo da 1.ª década do século XX, sabendo dosear a medicina com a militância associativa, política e maçónica assente na reafirmação incessante de direitos para as mulheres.
Destacou-se enquanto estudante, quer na cidade natal, onde fez o Liceu, quer na capital, ao frequentar a Escola Politécnica e, depois, a Escola Médico-Cirúrgica; realizou-se profissional e humanamente como médica, formada em 1902; envolveu-se, entre 1906 e 1911, na edificação do associativismo feminista de matizes pacifista, maçónico, republicano e sufragista; conspirou, em 1910, pela República, bordando, com a colega, amiga e companheira Adelaide Cabete, as bandeiras desfraldadas durante o 5 de Outubro; e com a República transformou-se numa denodada batalhadora pelo sufrágio feminino, mesmo que abrangendo uma minoria.
Mais discreta na exposição pública do que as contemporâneas foi, no entanto, a única líder a unir as diferentes vertentes do embrionário feminismo português: abraçou o Pacifismo ao aderir, em 1906, ao Comité Português da associação francesa La Paix et le Désarmement par les Femmes; integrou, em 1907, a Loja Humanidade, da qual foi Venerável; esteve na formação do Grupo Português de Estudos Feministas (1907-1908); emparceirou na Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (1908-1911); e, em 1911, dando ênfase ao seu sufragismo, construiu com Ana de Castro Osório, a Associação de Propaganda Feminista.
Fez do seu consultório um locar privilegiado da sua curta vivência: procurou, simultaneamente, atenuar as maleitas das doentes que a procuravam, com as quais se preocupava deveras, e encontrar soluções para os males que afectavam o país, promovendo encontros, reuniões, discussões, transformando-o num centro difusor dos ideários que abraçara.
Inconformada, rebelde, temperamental, decidida e consequente, não abdicou de princípios e reforçou as suas convicções enquanto feminista e sufragista quando a revolução republicana saiu vitoriosa. Então, e numa militância diária frenética, integrou delegações que conferenciaram com os novos poderes políticos, assinou as reivindicações que lhes foram apresentadas, criticou a benevolência com que eram tratados os conspiradores monárquicos, preocupou-se com as divisões entre os republicanos, assistiu à abertura solene da Assembleia Nacional Constituinte e encetou diligências para que a Constituição consagrasse o sufrágio feminino restrito.
A Carolina sufragista revelou-se determinada ao intuir que a lei eleitoral de Março de 1911 não vedava explicitamente o voto às mulheres. Enquanto viúva, chefe de família e uma filha a seu cargo, quis recensear-se. Não a deixaram! Recorreu para os tribunais, a pretensão foi atendida e teve direito a inscrever-se como eleitora. Chegado o dia 28 de Maio, a eleitora n.º 2513 apresentou-se na assembleia de voto do Círculo n.º 34 de Lisboa Oriental, sita no Clube Estefânia, e preparou-se para votar. Ainda aí, levantaram problemas: o presidente da mesa pôs o caso à discussão, invocando que lhe tinha constado que o Governo tinha mandado auscultar o Procurador-Geral da República, e teceu considerações sobre o voto das mulheres. Mas Carolina votou sob uma salva de palmas dos presentes.
Com esse gesto de colocar o boletim de voto numa urna fez História e tornou possível o que se julgara impossível: uma mulher votar e ela foi pioneira em toda a Europa do Sul e na esmagadora maioria dos países. Recebeu reconhecimento nacional e internacional, foi fotografada, retratada, entrevistada e biografada, o seu acto teve repercussões além-fronteiras e abriu portas à internacionalização do feminismo português, com a adesão, no mesmo ano, da Associação de Propaganda Feminista à International Woman Suffrage Alliance (IWSA).
Subitamente, a 3 de Outubro de 1911, com apenas 33 anos, morreu ao regressar de uma reunião política, com a consolação de ter vivido muito em pouco tempo e de se ter entregado a causas que considerava justas, independentemente dos dissabores, incompreensões e desilusões. Deixou escrito que queria um enterro civil e dispensava a família, sobretudo a filha, de usar luto.
Quase cem anos depois, deparamo-nos com uma cidadã de plena actualidade: profissional competente, cidadã empenhada, mulher interventiva e crítica. Relembrá-la é um gesto de justiça, mas não chega. É preciso conhecê-la, estudá-la, divulgá-la, inscrevê-la no devido lugar da História e a plantação deste carvalho, por feliz iniciativa da UMAR, é mais um importante contributo nesse sentido.

João Esteves
16 de Abril de 2010

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