6.6.07

Artistas Mulheres – Três Vozes

Parte V

A pianista Irène Schweizer (n.1941, Suiça) tocou em duo com o baterista Pierre Favre [no Jazz em Agosto 2005], em Lisboa. Conheci-a durante o ensaio dos dois músicos, e aproveitei um pequeno intervalo entre o final do ensaio e o início do concerto [Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian, a 7 de Agosto 2005, 18h30] para uma conversa com a instrumentista, cuja biografia relata a sua participação na Feminist Improvising Group, nos anos 70. Irène Schweizer toca no entanto com vários músicos desde os anos 60, numa época em que era a única mulher a tocar jazz, buscando a sua própria criatividade, o seu estilo, e criando a sua música de um modo muito individual. E comecei por querer saber como é um dia passado na vida de uma mulher instrumentista de jazz.

Se me pudesse descrever um dos seus dias...?
Todos os dias são diferentes. Se é Verão não tenho muitos concertos, acordo e vou fazer compras, vou ao mercado, depois tenho por vezes um ensaio de tarde com alguns músicos e às vezes vou passear no bosque ou vou nadar no lago…
Em Zurique há um grande lago na cidade onde se pode nadar. No Inverno tenho mais coisas para fazer. Tenho de fazer trabalho de escritório [Intakt Records, Zurique] para os meus próprios concertos e sou eu que faço tudo. Tenho de mandar e-mails, telefonar, e todo o trabalho administrativo
E toca todos os dias?
Não. No Inverno, de Novembro até Abril, Maio tenho muitos concertos na Suiça, na Europa e no Verão há menos, portanto, estou mais em casa.
Mas toca normalmente com diferentes músicos?
Sim, toco com músicos locais na Suiça, também actuo com muitos percussionistas - europeus, americanos. E faço parte de um trio feminino, Les Diaboliques. É um trio feminino com a Joëlle Léandre [um dos nomes do cartaz do Jazz em Agosto 07], uma contrabaixista de Paris e a Maggie Nichols, uma vocalista inglesa.
O que está por trás da sua música e da sua escolha de reportório?
Bem, depende. A escolha de reportório depende das pessoas com quem eu toco. Por exemplo, com este trio feminino, improvisamos, improviso total. Não temos reportório, melodias, nada. Juntamo-nos e tocamos e ouvimo-nos umas às outras, mas já nos conhecemos há 20 anos. E com o Pierre [Favre], que eu conheço há ainda mais tempo - já tocamos juntos há 30 anos - é mais como um idioma jazz. Tocamos músicas, às vezes as minhas, às vezes tocamos músicas americanas, como o Thelonious Monk e o Doc Terry, portanto tudo depende de com quem eu esteja a tocar. Varia, porque o meu passado musical não é clássico, o meu passado musical é jazz, eu comecei com jazz. Ou seja, eu não venho do lado clássico.
Quando é que começou a ouvir música jazz?
No final dos anos 50, início dos anos 60, depois fui para Londres aprender Inglês, fiquei a conhecer músicos lá em Inglaterra e toquei com muitos músicos diferentes.
Mas o instrumento que escolheu, com o qual começou, foi o piano?
Não, não foi o piano, foi o acordeão. Eu comecei com o acordeão, tocava música folclórica suiça.
E depois foi aprender piano?
Piano, com 12 anos. E também toquei bateria. Era o meu instrumento hobby, adoro tocar bateria, toquei com muitos músicos diferentes na Suiça. Agora não tanto, porque não pratico. Quando há ocasião toco bateria. Não sou percussionista, mas sei tocar e adoro tocar bateria.
Compõe ao piano?
Eu não componho, não escrevo música. Componho no instante, estou sempre a compor.
A peça é sempre nova…?
É claro que há algum material ao qual sempre se volta quando se toca, mas não é uma composição fixa, que eu toque sempre da mesma maneira, é sempre diferente, muda sempre, depende de onde é tocada, com quem eu toco, por isso pode sempre mudar. Há algum material musical que se usa sempre, mas não é uma composição escrita.
A música que toca e improvisa é representativa da mulher que a Irene é?
Sou eu, mas eu acho que a música não tem género, é neutra.
Fale-me do seu grupo feminista de improvisação, o Feminist Improvising Group, e daquilo que esteve na fundação deste grupo e quais as necessidades para a sua fusão nos anos 70?
Nos anos 70 o movimento de libertação da mulher era muito forte, as mulheres queriam libertar-se e eu pertencia ao movimento de libertação das mulheres em Zurique. Já era uma música profissional e só tocava com homens. Um dia conheci a Lindsay Cooper, uma saxofonista londrina e ela teve a ideia de formar um grupo só de mulheres e convidou-me para o grupo. Já havia três mulheres inglesas: a Maggie, a Lindsay Cooper e a Georgie Born já tinham começado em Inglaterra e convidaram-me a entrar no grupo e havia ainda uma holandesa, que tocava trombone. Então começámos, o grupo Improviso Feminista nos anos 70.
Qual era a afirmação principal do grupo?
Havia milhares e milhares de grupos masculinos, nunca ninguém pensa nisso…queríamos provocar e queríamos fazer a mesma coisa, inverter tudo, fundar um grupo só de mulheres, porque isso não existia antes, um grupo musical só de mulheres, só havia milhares e milhares de grupos totalmente masculinos no mundo. Então queríamos virar tudo do avesso, provocar, com um grupo totalmente feminino, para definir a nossa posição, como feministas e como músicas.
E qual foi o resultado?
Bem, as mulheres adoraram, claro, iam sempre assistir aos nossos concertos, os músicos homens, alguns pensavam que era fantástico o que nós fazíamos, alguns ajudavam-nos, encorajavam-nos, outros pensavam «Que é isto? Porque é que elas só tocam com mulheres? Elas não sabem tocar, são horríveis, a música é horrível, porque é que os organizadores as contrataram? Elas nem sequer sabem tocar». Era um pouco de tudo.
Mas diziam que era horrível porque era de mulheres, ou era horrível porque era música improvisada?
As duas coisas. Era improvisada e muito provocadora e era esse o nosso objectivo, a nossa intenção.
Então obtiveram sucesso, ao alcançar essa intenção do grupo de provocar?
E fomos convidadas para uma série de organizações e festivais feministas que queriam sempre que nós fossemos lá e tocássemos. A Itália tinha um grande movimento de libertação das mulheres e nós éramos muitas vezes convidadas pelo Partido Comunista Italiano nos anos 70. Contratavam-nos imenso, porque as mulheres eram muito fortes em Itália.
Isto é então o que resta deste trio, Joëlle, Maggie e eu. A Joëlle veio depois…
Les Diaboliques?
Sim, Les Diaboliques, com a Joëlle, foi o que restou, porque toda a gente seguiu por caminhos diferentes e tocávamos em grupos mistos.
Mas tocaram durante os anos 80, ou só nos anos 70?
Nos anos 70, talvez um pouco no início dos anos 80.
Porque depois do Grupo de Improviso Feminista…
Ah, sim, havia este grupo de improviso feminino porque éramos também convidadas para tocar em grandes festivais, festivais de jazz e mudámos o nome para European Women Improvising Group (Grupo de Improviso de Mulheres Europeias), abreviado significa EWIG e na Alemanha isto quer dizer provocador.
Este grupo fazia parte de um movimento maior das mulheres na arte, ou as mulheres músicas estavam num lado e as das artes visuais noutro lado? Havia alguma mistura entre os grupos, nesta cena provocadora das mulheres nos anos 70?
Eu penso que tudo era separado. A música, o nosso tipo de música era diverso das artes visuais, da dança, das bailarinas, das artes de performance, era muito diverso e separado.
A sua música expõe tensões ou sentimentos? Que tipo de material é que explora na sua música?
No palco?... Bom, é difícil explicar. Quando estou a tocar com o Pierre [Favre] nós ouvimo-nos um ao outro e começamos em lado nenhum e tentamos construir algo do nada, às vezes isso acontece muito depressa, às vezes temos de esperar até que aconteça, deixamos que isso flua e cresça.
E explora ambiências diferentes – indo de uma ambiência de raiva para uma de amor, uma espécie de história em diferentes etapas? O que vai na sua cabeça quando toca?
Essa é uma questão muito difícil, muito difícil de responder em palavras.
Hoje em dia é uma feminista?
Sim, sou.
E tenho uma última questão - onde coloca o enfâse na sua música?
Quando toco?
Sim.
Em criar algo belo, algo útil, em criar algo para mim e para o público.

(«Mulheres Artistas – Três Vozes», um trabalho realizado no âmbito do seminário «Imagens da Mulher na Arte Contemporânea» de «Estudos sobre a mulher» da FCSH/UNL - Continua: Partes IV em 22.05.07, III em 10.05.07, II em 2.05.07, I em 18.04.07.)
Cristina L. Duarte

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