25.6.07

Génese e Cinema - Parte III

O Confronto

Anatomia do Inferno é, na opinião da própria Catherine Breillat, um filme sobre o conhecimento, é a jornada do Homem em busca do conhecimento e da humanidade. Na minha opinião, e em nada contrariando a anterior ideia, Anatomia do Inferno é igualmente a jornada da Mulher. Mulher e Homem iniciam neste filme a jornada do (re)conhecimento e da libertação. A libertação de um possibilita a libertação do outro. É um processo de reconhecimento mútuo e de respeito, é um processo onde ambos necessitam caminhar no mesmo sentido para serem seres por inteiro, seres sexuais, emocionais e racionais. Esta tese sobre o filme não é mais do que uma das características que reveste a terceira vaga do feminismo da actualidade. Não se trata de uma extremada luta em que mulheres e homens se encontram em lugares opostos da barricada. A excelência do ser humano será atingida quando a Mulher e o Homem não encontrarem restrições e impedimentos de qualquer ordem ao seu efectivo desenvolvimento. Anatomia do Inferno sublinha esta necessidade de partilha, de busca conjunta entre a Mulher e o Homem - portanto, pode ser a história de uma qualquer Mulher e de um qualquer Homem. Esta ideia é reforçada pelo facto de nunca se saber o nome da Mulher e do Homem do filme. As suas identidades permanecem desconhecidas. A natureza abstracta, mítica e onírica do filme é ainda reforçada pelo facto da Casa da Mulher se situar num ermo isolado, contíguo ao mar.
É pois no espaço da Casa, especificamente no quarto, que o confronto entre Mulher e Homem decorre. Se na primeira noite a acção decorre em vários espaços (interiores e exteriores), a partir da segunda noite, primeira noite de visita, ela será quase exclusivamente confinada ao espaço da Casa. As quatro paredes do quarto serão pois o palco onde tudo acontecerá. O quarto e o corredor, que liga o quarto à porta de casa, são os únicos espaços onde Mulher e Homem se encontram em simultâneo. Os restantes espaços são habitados ora por um ora por outro, nunca ao mesmo tempo.
A Mulher é aquela que desde o primeiro momento detém o poder. Como atrás mencionei, esse poder é-lhe conferido pelo facto de ela deter o poder do conhecimento, de saber efectivamente algo que o Homem não sabe, ou que ainda não reconheceu, sendo que a sua grande missão é a de demonstrar-lhe essa sabedoria e de o tornar igualmente sabedor. Este é o móbil do acordo que estabelece com o Homem. Imediatamente a seguir a esta proposta o Homem inicia a sua jornada, a sua metamorfose. Se na noite em que se conhecem na discoteca o Homem veste-se de negro, em todas as visitas que doravante faz à Mulher ele envergará o branco. O poder da Mulher é ainda notório na medida em que é ela que estabelece o acordo. É ela que escolhe este Homem. É neste Homem que ela fixa o olhar quando na pista da discoteca ele dança e beija outro homem. É este Homem que ao subir as escadas que conduzem ao W.C., o momento que antecede a tentativa de suicídio, a Mulher acotovela. É ainda a Mulher que tem os meios para seduzir o Homem a aceitar o acordo. A Mulher paga para ser olhada. Sim, mas não só. Ela paga para ter sexo. E isto é profundamente revolucionário. Logo, na primeira noite em que o Homem a visita, ela diz-lhe:

Mulher: Excuse me. You’re early. I didn´t have time to undress.
Homem: I’m paid to watch. That’s all you can ask me to do.
Mulher: You’re right. But I can still hope for more.
Catarina Frade Moreira

Sem comentários: