Génese: a relação Mulher/Homem no universo de Catherine Breillat.
O Feminismo e a Pornografia na «Anatomia do Inferno»
O Feminismo e a Pornografia na «Anatomia do Inferno»
Por Catarina Frade Moreira
Catherine Breillat é uma realizadora polémica e não consensual, acusada pela crítica de fazer filmes demasiado teóricos e intelectuais. O seu mais recente filme, «Anatomia do Inferno» (2004), exibido em Portugal[1] na 5ª edição da Festa do Cinema Francês, é talvez o seu filme mais controverso não tanto pela forma, na sua exploração de uma imagética onde o sexo e a sexualidade são filmados de perto em despudorados e intensos close-ups, mas sobretudo pelo seu conteúdo argumentativo/simbólico, pela tentativa de desafiar mitos e verdades cristalizadas nas culturas ocidentais e não ocidentais, pelo olhar que lança sobre a relação mulher/homem, pela causa que aponta como responsável pela opressão da mulher e pela solução que defende para o conflito entre os sexos.
Dificilmente se gosta de um filme como «Anatomia do Inferno», pelo menos imediatamente a seguir ao seu visionamento. Não se trata de um filme feito para gostar, pois o gostar geralmente implica que se está perante um filme fácil, de rápida absorção e esquecimento, que não incomoda, que não faz mossa. E este filme fá-la, e com estrondo. E pelo que me foi dado a observar as reacções mais violentas a este filme são reverberadas por homens. Catherine Breillat é assim acusada de odiar os homens e de tê-los apresentado neste seu filme, na figura de Rocco Siffredi, como misóginos. O facto de serem os homens a revoltarem-se contra «Anatomia do Inferno» é muito interessante. E merece ser examinado. E isto acontece quando a própria realizadora afirma que este não é um filme feminista e que pela primeira vez, num dos seus filmes, a sua própria identificação dá-se não com a personagem feminina, mas sim com a masculina. São pois estas questões que merecem a minha análise. Uma análise que será sempre subjectiva, intrínseca à minha condição de mulher e feminista. Assim, por um lado, importa perceber que traços, no conteúdo e na forma/estrutura, permitem (ou não) suportar a tese de que «Anatomia do Inferno» constitui um filme plausível de ser resgatado pelo feminismo. Por outro lado, e dado que este filme foi qualificado por segmentos da crítica como pornográfico, interessa apurar se o conteúdo sexualmente explícito de «Anatomia do Inferno» é passível de contrariar o seu cunho feminista. Este filme serve por fim de mote para discutir o modo como dentro do feminismo não existe uma postura homogénea e una face à pornografia.
Trata-se assim de um filme para pensar, para ser dissecado repetidas vezes. Em todas elas é possível encontrar novos elementos tendentes a uma mais completa apreciação e reconhecimento. Depois sim, depois deste ardiloso trabalho, pode dizer-se que se gosta. Foi o que me aconteceu.
Catherine Breillat é uma realizadora polémica e não consensual, acusada pela crítica de fazer filmes demasiado teóricos e intelectuais. O seu mais recente filme, «Anatomia do Inferno» (2004), exibido em Portugal[1] na 5ª edição da Festa do Cinema Francês, é talvez o seu filme mais controverso não tanto pela forma, na sua exploração de uma imagética onde o sexo e a sexualidade são filmados de perto em despudorados e intensos close-ups, mas sobretudo pelo seu conteúdo argumentativo/simbólico, pela tentativa de desafiar mitos e verdades cristalizadas nas culturas ocidentais e não ocidentais, pelo olhar que lança sobre a relação mulher/homem, pela causa que aponta como responsável pela opressão da mulher e pela solução que defende para o conflito entre os sexos.
Dificilmente se gosta de um filme como «Anatomia do Inferno», pelo menos imediatamente a seguir ao seu visionamento. Não se trata de um filme feito para gostar, pois o gostar geralmente implica que se está perante um filme fácil, de rápida absorção e esquecimento, que não incomoda, que não faz mossa. E este filme fá-la, e com estrondo. E pelo que me foi dado a observar as reacções mais violentas a este filme são reverberadas por homens. Catherine Breillat é assim acusada de odiar os homens e de tê-los apresentado neste seu filme, na figura de Rocco Siffredi, como misóginos. O facto de serem os homens a revoltarem-se contra «Anatomia do Inferno» é muito interessante. E merece ser examinado. E isto acontece quando a própria realizadora afirma que este não é um filme feminista e que pela primeira vez, num dos seus filmes, a sua própria identificação dá-se não com a personagem feminina, mas sim com a masculina. São pois estas questões que merecem a minha análise. Uma análise que será sempre subjectiva, intrínseca à minha condição de mulher e feminista. Assim, por um lado, importa perceber que traços, no conteúdo e na forma/estrutura, permitem (ou não) suportar a tese de que «Anatomia do Inferno» constitui um filme plausível de ser resgatado pelo feminismo. Por outro lado, e dado que este filme foi qualificado por segmentos da crítica como pornográfico, interessa apurar se o conteúdo sexualmente explícito de «Anatomia do Inferno» é passível de contrariar o seu cunho feminista. Este filme serve por fim de mote para discutir o modo como dentro do feminismo não existe uma postura homogénea e una face à pornografia.
Trata-se assim de um filme para pensar, para ser dissecado repetidas vezes. Em todas elas é possível encontrar novos elementos tendentes a uma mais completa apreciação e reconhecimento. Depois sim, depois deste ardiloso trabalho, pode dizer-se que se gosta. Foi o que me aconteceu.
[1] Algumas das cenas de exterior de Anatomia do Inferno foram filmadas em Portugal, em Lisboa, sendo possível reconhecer o Miradouro de São Pedro de Alcântara com o Castelo de São Jorge ao fundo, o Martim Moniz... É portuguesa também a nacionalidade de grande parte da equipa técnica e actrizes/actores secundárias(o)s.
1 comentário:
O filme foi um desaviso, assisti de curiosidade e acabei com real interesse. Pode assustar algumas cenas, não é um filme para todos assistirem, mas as falas e reflexões são deveras valiosas. A diretora foi capaz, com excêntrica frieza [~olhar clínico], tratar a sexualidade natural (vulgo biológica- homem e mulher) e a social (aquele que possui moral e elucidação de status - condição, distinção, posição e prestígio).
imerso numa visão,ilustrada logo no início na boate, onde há o império da força masculina física, uma espera de domínio e poder pelo toque e olhar (os trombos, a segurada de braço e olhar do ator na escada) mesmo sendo uma boate gay, com homens e mulheres, a presença no homem traz essa densidade na cenas. A mulher, apesar de "livre", está submetida á visão do homem, como se pouco importassem seu desânimo e porquês, parece um objeto cansado de se usado. A cena do tapa que o homem dá na mulher quando ela começa a expressar sua perspectiva demonstra essa imposição e o domínio é a representado pela espera dele apesar disso. Essa espera também representa a sexualidade natural, da atração do homem pela mulher (ele não vai embora, ele vai atrás dela),trazendo também a visão natural do feminino frágil e o masculino como protetor.
Em seguida a proposta da mulher impõe um desafio (ao ego do homem) e ao mesmo tempo uma inversão de papel onde fica a dúvida quem realmente está no comando. Com troca de vulnerabilidades durante as conversas e atos que são conversados quase que vagamente, trazidas em sensos de ser uno (experiência pessoal junto à passagens criança-adulto) e ser social (homem e mulher).
O filme explora o corpo, trazendo o feminino como desconhecido e com superstição. Na cena da menstruação a mulher divaga sobre o sangue que corre sem ferida, da capacidade de gerar um filho e imagem de fragilidade ligadas ao medo, desconhecimento e liberdade. O homem, por outro lado reconhece o medo e a raiva, além de reconhecer que mulheres são na verdade fortes uma outra demonstrado medo, outra vez raiva e então esboça um olhar de espanto misturado com uma quase admiração e com verdadeiro interesse.
O filme tem simbologias que ainda precisam ser digeridos e entendidos. Percebe-se uma relação de religiosidade, a cruz no pescoço dele, na parede e a ferramento de jardim que parece remeter ao tridente. A última conversa do filme do homem com um outro no mar, dá uma sensação de que ele não entendeu nada ou de negação e necessidade de manter a posição (social) de homem. Ainda, uma conclusão de que deveria fazer diferente, resgatar ou construir algo que faltou entregar a Mulher e no fim a cena dele a jogando do penhasco que parece retomar à afirmação da Mulher de que a raiva dá poder.
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