A Associação de Propaganda Feminista foi fundada em 12 de Maio de 1911 por Ana de Castro Osório, Carolina Beatriz Ângelo, Maria Irene Zuzarte, Maria Laura Monteiro Torres e Rita Dantas Machado, entre outras. Esta colectividade nasceu das divergências surgidas na Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, potenciadas pela questão do sufrágio feminino.
Entre Novembro de 1910 e Maio de 1911, as feministas republicanas das duas colectividades empenharam-se activamente na propaganda do voto feminino, realizando conferências, escrevendo no jornais e entregando petições aos órgãos de soberania.
A nova lei eleitoral da República, publicada em 14 de Março de 1911, concedia o voto a todos os cidadãos portugueses, maiores de 21 anos, chefes de família que soubessem ler e escrever. As feministas, embora desiludidas por a lei não explicitar o voto feminino, decidiram aproveitar a ambiguidade da mesma e, considerando-se cidadãs de pleno direito, algumas decidiram requerer o seu recenseamento nas listas eleitorais. Perante as dificuldades levantadas pela Comissão Eleitoral e a resposta negativa do Ministro do Interior, António José de Almeida, chamado a esclarecer a omissão legislativa no que respeitava ao sufrágio feminino, todas as mulheres desistiram da sua pretensão, excepto Carolina Beatriz Ângelo.
Esta médica, viúva e mãe de uma filha menor, decide desafiar os poderes instituídos e recorre aos tribunais, argumentando que a lei, apesar de não contemplar o sufrágio feminino também não o excluía, porque ao enumerar os requisitos do cidadão eleitor não fazia referência ao seu sexo. O protagonismo de Carolina neste acto de insubmissão em relação à lei e ao governo provisório da República que a produziu, lançou a polémica na imprensa e na sociedade portuguesa, o que serviu para alertar, consciencializar e reflectir sobre a igualdade de direitos entre homens e mulheres. Neste debate muito participado, sobressaem os rostos e as vozes de Ana de Castro Osório e de Maria Veleda em defesa do voto das mulheres e no comentário das opiniões contrárias vindas a público, desmontando os frágeis e falaciosos argumentos dos seus opositores.
O direito de voto foi assegurado a Carolina Beatriz Ângelo pelo juiz João Baptista de Castro no Tribunal da Boa Hora. De salientar que este juiz era pai de Ana de Castro Osório e defendia as pretensões das feministas, o que está patente no notável acórdão da sentença proferida. As feministas consideraram que a conquista do voto estava definitivamente assegurada e que a Assembleia Constituinte a alargaria a todas as mulheres que soubessem ler e escrever ou fossem economicamente independentes, tal como tinha sido pedido pela Liga.
Carolina exerceu o seu direito de voto em 28 de Maio de 1911, participando na eleição dos deputados para a Assembleia Constituinte e tornando-se na primeira mulher eleitora em Portugal e na Europa do Sul. Recorde-se que, nesta data, apenas dois países europeus, a Finlândia e a Noruega, tinham concedido o voto às mulheres.
A notícia correu o país e os círculos feministas de todo o mundo e foi motivo de missivas entusiastas de felicitações a Carolina e à Associação de Propaganda Feminista, enviadas por organizações congéneres. Vieram também a Portugal repórteres estrangeiros para entrevistar a primeira eleitora portuguesa e conhecer a nova realidade política do país. Esta vitória serviu de credencial para a filiação desta nova agremiação na International Women Suffrage Aliance.
Contudo, apesar dos esforços desenvolvidos pelas feministas e das promessas dos republicanos, a lei eleitoral de 1913 excluíu as mulheres do direito de voto. Desiludidas mas não vencidas continuaram a lutar pelo direito de cidadania e de participação política na res publica.
Natividade Monteiro
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29.1.09
Deste lado da história (VII)
Parabéns Germaine
28.1.09
Vestir a bata
27.1.09
Deste lado da história VI
A Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (III)
Com a implantação da República em 5 de Outubro de 1910, as feministas republicanas que militavam na Liga julgaram ter chegado o momento de apresentarem as suas reivindicações ao novo regime político.
Em 27 de Novembro do mesmo ano, a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas entregou uma petição ao governo em que reclamava a revisão imediata do Código Civil, a lei do divórcio e o sufrágio feminino. Como correligionárias fiéis não quiseram dificultar a vida aos órgãos de soberania e, por isso, foram moderadas nas exigências, pedindo o voto apenas para algumas mulheres: comerciantes, industriais, empregadas públicas, administradoras de fortuna própria ou alheia, diplomadas, escritoras.
A reivindicação do voto apenas para as mulheres que pagassem impostos ou pertencessem à elite intelectual não agradou a todas as sócias da Liga, sendo este o ponto da discórdia que levou à divisão das feministas em duas facções: uma mais conservadora e minoritária, liderada por Ana de Castro Osório, e outra mais radical e maioritária, chefiada por Maria Veleda (foto no topo).
Ana de Castro Osório (foto acima) demitiu-se da direcção da Liga e da Revista A Mulher e a Criança e, juntamente com Carolina Beatriz Ângelo, Joana de Almeida Nogueira, Rita Dantas Machado, entre outras, fundou a Associação de Propaganda Feminista, centrada na reinvindicação do voto. Maria Veleda foi eleita para a substituir nos dois cargos, imprimindo à direcção da colectividade um carácter mais revolucionário e combativo na luta pelos direitos de todas as mulheres.
Ana de Castro Osório e Maria Veleda serão as vozes e os rostos mais visíveis na imprensa da época, argumentando em defesa dos seus pontos de vista em relação ao voto das mulheres e contribuindo para um debate nacional sobre este tema tão candente, novo e controverso. Abstraindo das opiniões de vários quadrantes masculinos, centremo-nos nas ideias defendidas por estas duas dirigentes feministas.
Ana de Castro Osório, em consonância com muitos dirigentes republicanos, considerava que a maioria das mulheres portuguesas não estava suficientemente educada para votar em consciência e, sendo elas maioritariamente analfabetas, politicamente incultas, dominadas pelo obscurantismo do preconceito e influenciadas pelo conservadorismo religioso, o seu voto seria contrário e prejudicial à República. Assim, defendia o voto apenas para as mulheres instruídas, economicamente independentes e politicamente esclarecidas.
Maria Veleda manifestava-se contra o voto restrito por agravar a situação de desigualdade existente entre as mulheres portuguesas, argumentando que a maioria não teve sequer a oportunidade de aceder à instrução e à educação que lhe permitisse a autonomia económica e a emancipação da tutela masculina. Se se reconhecia às mulheres o direito de voto, era uma incoerência reclamá-lo só para aquelas que pagassem impostos ou fossem consideradas intelectuais. Seria também uma injustiça negar a algumas um direito que era de todas. As mulheres, ricas ou pobres, intelectuais ou analfabetas, deviam votar em igualdade de circunstâncias com os homens, pois não se compreendia que a ignorância e o analfabetismo fossem invocados para restringir os direitos cívicos e políticos das mulheres e não os dos homens. Em sua opinião devia pedir-se “tudo” e se não dessem “tudo” não se aceitaria “nada”.
A polémica em torno do sufrágio feminino durou alguns meses, enquanto o governo preparava a nova lei eleitoral com vista às eleições para a Assembleia Constituinte de 1911, realizadas em 28 de Maio desse ano, nas quais votou a primeira mulher portuguesa e da Europa do Sul, Carolina Beatriz Ângelo.
Natividade Monteiro
26.1.09
Tina
«Look me in the heart», de Tina Turner, ou Anna Mae Bullock (Brownsville, Tennessee, 26.12.1939).
Deste lado da história (V)
A ideia desta organização política e feminista, fundada há um século e apoiada pelo Directório do Partido Republicano foi lançada em 1908, assinalando-se a divisão entre as intelectuais monárquicas e republicanas adeptas da causa da emancipação feminina, apesar de terem agido conjuntamente em algumas iniciativas, nomeadamente, na petição a favor da legalização do divórcio. As monárquicas Domitila de Carvalho e Olga Morais Sarmento da Silveira serão as “baixas”mais importantes.
Em 1909, os corpos gerentes da «Liga» e da Revista A Mulher e a Criança, órgão de imprensa entretanto criado, são constituídos por Ana de Castro Osório, Adelaide Cabete e Carolina Beatriz Ângelo, às quais se juntaram Adelaide Cunha Barradas, Amélia França Borges, Ana Maria Gonçalves Dias, Camila Sousa Lopes, Fausta Pinto da Gama, Filomena Costa, Maria Benedita Pinho, Maria Veleda e Rita Dantas Machado.
A «Liga», sob a direcção de Maria Veleda criou em 1909 a «Obra Maternal», destinada a recolher e educar as crianças abandonadas, pedintes ou em perigo moral que deambulavam pelas ruas de Lisboa. Durante os sete anos da sua existência, sob a orientação da «Liga», não teve qualquer ajuda do Estado, sendo sustentada pelas respectivas sócias e por outras pessoas associadas, recrutadas na sociedade civil. A «Obra Maternal» enfrentou grandes dificuldades financeiras que foram sempre superadas, graças a várias iniciativas, das quais destaco a criação do Grupo Dramático da «Liga» para representar peças de teatro educador, feminista e revolucionário, escritas por Maria Veleda e representadas nos Teatros Étoile, República, Trindade e Ginásio, em Lisboa, e no Teatro do Grémio Artístico Comercial de Torres Vedras. Em 1916, a «Obra Maternal” passou à responsabilidade da Cruzada das Mulheres Portuguesas para assistir também aos órfãos de guerra. No âmbito da protecção às crianças, a «Liga» fez campanhas nacionais e entregou petições aos órgãos de soberania para legislar contra a venda de álcool e tabaco a menores, o lenocinio e a prostituição infantil, empenhando-se directamente na condenação de duas proxenetas de Lisboa que raptavam ou aliciavam meninas pré-adolescentes para as prostituírem. Também reclamou a alteração das leis que permitiam o pagamento de fiança a detidos por abuso sexual de menores.
As dirigentes da «Liga», conscientes de que a maioria das mulheres não teve acesso à instrução ou lhes era vedada uma educação equivalente à dos homens, procuraram remediar essa injusta desigualdade, criando cursos de comércio, de enfermagem e de francês, a fim de as tornarem aptas para o exercício de uma profissão que lhes garantisse a autonomia económica. A luta pela instrução, protecção e educação cívica das crianças e das mulheres foi o princípio orientador das acções da «Liga», assim como de todas as outras Associações femininas e feministas, criadas nas duas primeiras décadas do século XX. Só a educação podia contribuir para a emancipação das mulheres e a construção de uma sociedade mais justa e um mundo melhor.
24.1.09
Deste lado da história (IV)
Foi há um século, em 1907, que um grupo de mulheres instruídas e cultas fundou o «Grupo Português de Estudos Feministas», com o objectivo de difundir os ideais da emancipação feminina, fundar uma biblioteca e publicar estudos destinados a instruir e a educar a mulher portuguesa, a fim de melhor desempenhar as funções de mãe e educadora da sociedade futura. O «Grupo», dirigido por Ana de Castro Osório e que agregava intelectuais, médicas, escritoras e, sobretudo, professoras, teve uma existência efémera, mas ainda publicou alguns folhetos que reproduziam discursos, conferências e outros textos de autoria das principais dirigentes, preenchendo assim uma grande lacuna de leituras de teor feminista, acessíveis às mulheres portuguesas.
É em torno deste núcleo que se vai fundar a «Liga Republicana das Mulheres Portuguesas». A ideia é lançada em Agosto de 1908 por Ana de Castro Osório e António José de Almeida e apoiada por Bernardino Machado e Magalhães Lima. Este projecto, acarinhado pelo Partido Republicano, vai tomar forma legal em Fevereiro de 1909, constituindo-se numa associação, simultaneamente, política e feminista. Os dirigentes republicanos apoiavam e incentivavam a luta reivindicativa das mulheres pela igualdade de direitos que lhes permitissem uma maior intervenção na vida social, económica e política do país mas também lhes interessava criar mais uma frente de combate à monarquia, sobretudo, por o sexo feminino ser conotado com o obscurantismo religioso e o conservadorismo político. A «Liga Republicana das Mulheres Portuguesas», fundada com o objectivo de “orientar, educar e instruir, nos princípios democráticos, a mulher portuguesa, fazer propaganda cívica, inspirando-se no ideal republicano e democrático e promover a revisão das leis na parte que interessa especialmente à mulher e à criança”, será a primeira, a mais duradoura e combativa associação a conciliar a defesa e a difusão dos ideais feministas e republicanos.
Esta aliança entre feminismo e política resultava da crença manifestada pelas dirigentes que a «Liga» constituia a mais segura garantia de, no futuro, quando a República fosse uma realidade, o governo atenderia as justas reivindicações das mulheres, tal como o Partido Republicano vinha prometendo e reiterou no Congresso de Setúbal de 1909. Durante os dez anos de existência da «Liga», as mulheres viveram momentos de esperança e confiança no cumprimento dessas promessas mas também momentos de descrença e desilusão por não verem satisfeitas muitas das suas reivindicações, nomeadamente, o direito de voto. Sentiram-se atraiçoadas pelos seus correligionários e muitas não lhes perdoaram. Para muitos republicanos, a «Liga» era uma extensão do Partido, muito útil na propaganda dos ideais da República, visto que muitas das dirigentes eram escritoras e brilhantes oradoras.
A «Liga» fundou a Revista A Mulher e a Criança, distribuída gratuitamente a cerca das mil associadas, com as mais variadas profissões: domésticas, empregadas do comércio, modistas, operárias, parteiras, dentistas, farmacêuticas, médicas, proprietárias, professoras, escritoras e jornalistas. Todas elas constituíram a vanguarda revolucionária do movimento social da emancipação feminina, um importante núcleo da propaganda republicana e um precioso reduto na defesa e consolidação dos ideais da liberdade e democracia.
(Continua)
Natividade Monteiro
23.1.09
22.1.09
Camões está de parabéns
21.1.09
Deste lado da história (III)
Sobre este último aspecto, muito nos terá a dizer o estudo de Maria Teresa Alvarez Nunes, publicado pela CIG em 2007 (ver foto abaixo).
A herança iluminista que defendia a liberdade e a igualdade de todos os cidadãos mudou regimes políticos, laicizou a cultura e valorizou a instrução e a educação como motores de progresso económico e social e fontes de felicidade individual e colectiva. Algumas mulheres da burguesia culta e informada aproveitaram os ventos modernizadores que sopravam da Europa mais progressista e iniciaram o processo de emancipação feminina, emergindo no espaço público, sobretudo como tradutoras, escritoras e professoras.
Embora lentamente, muitas mulheres instruídas viram na escrita e no ensino uma forma de escaparem ao silêncio e à invisibilidade que, desde há muito, a sociedade impunha ao sexo feminino. Ao longo do século XIX, estas mulheres fazem da imprensa periódica a sua tribuna, exprimindo ideias, debatendo problemas e propondo soluções. É através da escrita que se afirmam como seres independentes, que se pretendem livres de qualquer tutela, e reclamam o lugar a que se julgam com direito.
Se na primeira metade do século muitas se escondem sob o anonimato, na segunda metade assumem sem preconceitos as suas identidades e aventuram-se na fundação e direcção de revistas e jornais e na propagação das ideias emancipadoras do direito à educação e ao exercício de uma profissão, a fim de se tornarem economicamente autónomas. Em 1849, surge A Assembleia Literária, o primeiro jornal fundado e dirigido por uma mulher, Antónia Gertrudes Pusich, consagrado à instrução do sexo feminino. Nos anos que se seguem, entre os periódicos femininos destinados a entreter a preguiça e a frivolidade, aparecem outros apostados na defesa dos direitos das mulheres e na mudança de mentalidades e comportamentos sociais. Francisca Wood funda A Voz Feminina, em 1868 e O Progresso em 1869; Guiomar Torrezão toma a direcção d’O Almanaque das Senhoras em 1870; Elisa Curado dirige A Mulher, surgido em 1883; Beatriz Pinheiro funda e dirige A Ave Azul em 1898.
Na viragem do século, este grupo de mulheres dá lugar a outro que, também na imprensa, se vai assumindo como vanguarda mobilizadora do movimento feminista da primeira vaga que reivindica a igualdade de direitos jurídicos, económicos, civis e políticos entre os sexos. Se, no início, a convergência de ideais unia mulheres conservadoras e monárquicas, como Olga Morais Sarmento da Silveira e Domitila de Carvalho, às republicanas Ana de Castro Osório, Adelaide Cabete, Maria Veleda e Carolina Beatriz Ângelo, entre outras, com a aproximação destas últimas ao Partido Republicano, dá-se a cisão definitiva.
Nas primeiras décadas do século XX surgem assim as associações femininas e feministas que agregam mulheres de todos os estratos sociais: escritoras, professoras, médicas, advogadas, comerciantes, industriais, costureiras, domésticas. As mulheres republicanas fundam os seguintes grupos: em 1907, o «Grupo de Estudos Feministas», em 1909, «A Liga Republicana das Mulheres Portuguesas», em 1911, a «Associação de Propaganda Feminista», em 1914, o «Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas», em 1915, a «Associação Feminina de Propaganda Democrática» e, em 1916, a «Cruzada das Mulheres Portuguesas».
A aliança entre os dirigentes do Partido Republicano e as mulheres republicanas foi reforçada com a iniciação de muitas delas na Maçonaria e a militância activa na «Loja Humanidade», agremiação feminina com igualdade de direitos e representação junto das hierarquias maçónicas. Naquela época, maçonaria feminina, República e feminismo eram expressões do mesmo ideal e espaços de intervenção na conquista da liberdade, da igualdade e do direito de cidadania.
Natividade Monteiro
20.1.09
Parabéns Anabela
Anabela tem desde Setembro de 2000 o seu próprio espaço, na rua Padre Luís Cabral, 1080, Porto, onde se vestem várias gerações de mulheres - as avós, as filhas e as netas. (O seu papel na moda em Portugal é contado em Cristina L. Duarte, 15 histórias de hábitos - criadores de moda em Portugal, Quimera, Lisboa, 2003).
[Fotografia Rui Vasco/Arquivo ModaLisboa, Colecção Verão 2008]
Tema do dia
Vozes femininas
19.1.09
Dias cinzentos (II)
Dias cinzentos (I)
16.1.09
«Escrever é uma ocupação muito solitária»
Deste lado da história (II)
Muitas das professoras republicanas não se limitaram a aplicar o modelo educativo da República, antes o desenvolveram com ideias e práticas inovadoras. Maria Veleda e outras pedagogas, inspiradas nas teorias educativas de Francisco Ferrer y Guardia, defenderam uma educação integral, laica e racional, centrada no desenvolvimento harmonioso das crianças e jovens, valorizando igualmente as vertentes da instrução teórica e prática, o desporto, o contacto com a natureza e a formação ética e cívica. Preconizaram também a uniformização de currículos escolares para ambos os sexos e a coeducação, pois só o conhecimento mútuo e o convívio, na escola e fora dela, apagariam os preconceitos sociais que sustentavam as desigualdades entre homens e mulheres.
Sob a influência de Fröbel e Maria de Montessori valorizaram a educação infantil pré-primária e criaram a Associação Fundadora das Escolas Maternais, em 1907. Em 1909, fundaram a Obra Maternal da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, para recolher, educar e proteger as crianças abandonadas, pedintes ou em perigo moral que erravam pelas ruas de Lisboa. Também no âmbito da Liga, criaram cursos gratuitos da instrução primária, de francês, contabilidade, música e trabalhos manuais e promoveram conferências sobre economia doméstica, História, Geografia, Ciências, Educação Cívica e Política. Com estas iniciativas pretendiam remediar a injusta situação das mulheres que não tiveram acesso à instrução ou lhes foi vedada uma educação equivalente à dos homens, proporcionando-lhes os saberes indispensáveis à sua independência económica e ao exercício efectivo da cidadania.
Natividade Monteiro
15.1.09
Outras cidades
Deste lado da história (I)
Foi sobretudo a partir de 1906 que as mulheres convertidas aos ideais da República ganharam cada vez mais visibilidade na imprensa conotada com o Partido Republicano e outros sectores liberais e democráticos, escrevendo, fazendo conferências e dedicando-se ao ensino livre. Por ensino livre entendia-se toda a rede de colégios particulares, escolas dos Centros Republicanos e outras que defendiam um ensino liberal, moderno e secularizado, livre da influência religiosa e clerical.
O ideal educativo republicano visava instruir, educar e formar cidadãos úteis à família, à sociedade e à Pátria. À escola competia educar e guiar os alunos para a acção, para a realização de ideias e apetrechá-los com conhecimentos e técnicas para se inserirem no mundo moderno em constante progresso e mudança. Competia ainda desenvolver-lhes a vontade de serem pessoas resolutas, seguras de si próprias e cidadãos conscientes, activos e responsáveis. Os professores eram considerados os “árbitros dos destinos morais da Pátria” e os “guias supremos da consciência dos povos”.
À data da implantação da República, 5 de Outubro de 1910, as mulheres constituíam a maioria do professorado, não só dos Centros Escolares Republicanos, mas também das escolas oficiais, pois desde a reforma educativa de 1878 que se vinha assistindo à feminização do ensino primário. Assim, é relevante a influência que as mulheres vão exercer sobre as novas gerações, através da instrução e educação ministradas nas escolas liberais, sob a orientação de um modelo pedagógico que privilegiava os ideais da liberdade, da igualdade perante a lei, da justiça e da democracia. Num país com mais de 70% de analfabetos, os Centros Escolares Republicanos representavam em 1910 uma fatia significativa da oferta educativa dirigida aos mais desfavorecidos. Nesta data, eram cerca de cento e sessenta e cinco e contavam com mais de quatro mil alunos, sobretudo nas cidades de Lisboa e Porto. A este universo escolar de cariz republicano, juntavam-se a Associação das Escolas Liberais, a Liga Nacional de Instrução, o Grémio da Instrução Popular, o Grémio da Educação Racional, a Academia dos Estudos Livres, a Universidade Livre e a Escola Oficina nº. 1, novidade e modelo pedagógico das escolas primárias entretanto criadas e que sobreviveu até aos nossos dias.
Natividade Monteiro
In memoriam Lourdes Paes da Franca (III)
Por intermédio do INIP/IPIMAR consegui o contacto de Maria de Lourdes, viúva do neto de Maria Veleda, Pedro Emílio Guerreiro da Franca, brilhante investigador na área da biologia marítima, com vasta obra publicada, uma figura de referência a nível nacional e internacional e que deixou o seu nome ligado a uma nova espécie da «familia merlucidae», por ele descoberta nos mares de Moçambique; a merlucis paradoxus franca.
Durante alguns meses, partilhámos as "descobertas" que íamos fazendo sobre a Maria Veleda, ao retirar das caixas onde se encontrava o pequeno mas elucidativo espólio que a Maria de Lourdes e o Pedro tinham salvo da obsessão da avó de tudo querer destruir. Cada documento analisado sugeria uma recordação, uma história... Enfim, tantas memórias tecidas e entretecidas com a vida de Maria Veleda e outras feministas republicanas, como a Filipa de Oliveira e a filha, Lídia de Oliveira Esteves, e os seus netos, sobretudo o Carlos João, amigo íntimo do casal Franca, a Luisa Robertes, a Mariana Silva e tantas outras.
Assim entrei para a família Maria Veleda/Guerreiro da Franca que me adoptou e pela qual nutro um carinho especial.
Maria de Lourdes, Maria Veleda... Admirei ambas! Duas mulheres com o mesmo espírito de rebeldia contra as convenções e os preconceitos sociais, o mesmo sentido do dever, o mesmo amor pela liberdade e a democracia! Ambas dignificaram o património intelectual feminino, contribuíram para a afirmação pessoal e profissional das mulheres e foram um exemplo de cidadania. Viva a República!
14.1.09
continua...
13.1.09
In Memoriam Lourdes Paes da Franca (II)
Maria de Lourdes Paes da Franca e a tripulação do navio Baldaque da Silva (1958).