21.1.09

Deste lado da história (III)

A ideia de começar neste mês de Janeiro de 2009 a publicar textos que nos devolvem à história das mulheres na 1ªRepública vai ao encontro desta necessidade de dar a palavra às mulheres e de assim contribuir para dar a conhecer o trabalho das nossas antepassadas, mas também das nossas contemporâneas. Como refere Natividade Monteiro (investigadora cujos textos A Cidade das Mulheres agora acolhe), as mulheres foram, desde sempre, esquecidas e só há algumas décadas se sentiu necessidade de as incluir na História, se bem que elas sempre tenham feito parte dela, embora invisíveis e silenciosas, porque os critérios da historiografia eram outros, aliás hoje muito contestados. De salientar que nas Histórias ultimamente publicadas, as mulheres tornaram a ser esquecidas. Continuamos a ter uma História tradicionalmente masculina. Além disso, os Estudos sobre as mulheres, os de Género, ou História das Mulheres, não estão a ser incluídos em muito do que por aí publica. Incoerências. Na História que se ensina, as mulheres continuam a não existir. Há um grande desfasamento entre a produção de estudos académicos e o que chega aos alunos através dos programas didácticos ou currículos.
Sobre este último aspecto, muito nos terá a dizer o estudo de Maria Teresa Alvarez Nunes, publicado pela
CIG em 2007 (ver foto abaixo).



As origens da emancipação feminina em Portugal

A herança iluminista que defendia a liberdade e a igualdade de todos os cidadãos mudou regimes políticos, laicizou a cultura e valorizou a instrução e a educação como motores de progresso económico e social e fontes de felicidade individual e colectiva. Algumas mulheres da burguesia culta e informada aproveitaram os ventos modernizadores que sopravam da Europa mais progressista e iniciaram o processo de emancipação feminina, emergindo no espaço público, sobretudo como tradutoras, escritoras e professoras.
Embora lentamente, muitas mulheres instruídas viram na escrita e no ensino uma forma de escaparem ao silêncio e à invisibilidade que, desde há muito, a sociedade impunha ao sexo feminino. Ao longo do século XIX, estas mulheres fazem da imprensa periódica a sua tribuna, exprimindo ideias, debatendo problemas e propondo soluções. É através da escrita que se afirmam como seres independentes, que se pretendem livres de qualquer tutela, e reclamam o lugar a que se julgam com direito.
Se na primeira metade do século muitas se escondem sob o anonimato, na segunda metade assumem sem preconceitos as suas identidades e aventuram-se na fundação e direcção de revistas e jornais e na propagação das ideias emancipadoras do direito à educação e ao exercício de uma profissão, a fim de se tornarem economicamente autónomas. Em 1849, surge A Assembleia Literária, o primeiro jornal fundado e dirigido por uma mulher, Antónia Gertrudes Pusich, consagrado à instrução do sexo feminino. Nos anos que se seguem, entre os periódicos femininos destinados a entreter a preguiça e a frivolidade, aparecem outros apostados na defesa dos direitos das mulheres e na mudança de mentalidades e comportamentos sociais. Francisca Wood funda A Voz Feminina, em 1868 e O Progresso em 1869; Guiomar Torrezão toma a direcção d’O Almanaque das Senhoras em 1870; Elisa Curado dirige A Mulher, surgido em 1883; Beatriz Pinheiro funda e dirige A Ave Azul em 1898.
Na viragem do século, este grupo de mulheres dá lugar a outro que, também na imprensa, se vai assumindo como vanguarda mobilizadora do movimento feminista da primeira vaga que reivindica a igualdade de direitos jurídicos, económicos, civis e políticos entre os sexos. Se, no início, a convergência de ideais unia mulheres conservadoras e monárquicas, como Olga Morais Sarmento da Silveira e Domitila de Carvalho, às republicanas Ana de Castro Osório, Adelaide Cabete, Maria Veleda e Carolina Beatriz Ângelo, entre outras, com a aproximação destas últimas ao Partido Republicano, dá-se a cisão definitiva.
Nas primeiras décadas do século XX surgem assim as associações femininas e feministas que agregam mulheres de todos os estratos sociais: escritoras, professoras, médicas, advogadas, comerciantes, industriais, costureiras, domésticas. As mulheres republicanas fundam os seguintes grupos: em 1907, o «Grupo de Estudos Feministas», em 1909, «A Liga Republicana das Mulheres Portuguesas», em 1911, a «Associação de Propaganda Feminista», em 1914, o «Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas», em 1915, a «Associação Feminina de Propaganda Democrática» e, em 1916, a «Cruzada das Mulheres Portuguesas».
A aliança entre os dirigentes do Partido Republicano e as mulheres republicanas foi reforçada com a iniciação de muitas delas na Maçonaria e a militância activa na «Loja Humanidade», agremiação feminina com igualdade de direitos e representação junto das hierarquias maçónicas. Naquela época, maçonaria feminina, República e feminismo eram expressões do mesmo ideal e espaços de intervenção na conquista da liberdade, da igualdade e do direito de cidadania.

Natividade Monteiro

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