29.1.09

Deste lado da história (VII)

A Associação de Propaganda Feminista e a Primeira Eleitora


A Associação de Propaganda Feminista foi fundada em 12 de Maio de 1911 por Ana de Castro Osório, Carolina Beatriz Ângelo, Maria Irene Zuzarte, Maria Laura Monteiro Torres e Rita Dantas Machado, entre outras. Esta colectividade nasceu das divergências surgidas na Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, potenciadas pela questão do sufrágio feminino.
Entre Novembro de 1910 e Maio de 1911, as feministas republicanas das duas colectividades empenharam-se activamente na propaganda do voto feminino, realizando conferências, escrevendo no jornais e entregando petições aos órgãos de soberania.
A nova lei eleitoral da República, publicada em 14 de Março de 1911, concedia o voto a todos os cidadãos portugueses, maiores de 21 anos, chefes de família que soubessem ler e escrever. As feministas, embora desiludidas por a lei não explicitar o voto feminino, decidiram aproveitar a ambiguidade da mesma e, considerando-se cidadãs de pleno direito, algumas decidiram requerer o seu recenseamento nas listas eleitorais. Perante as dificuldades levantadas pela Comissão Eleitoral e a resposta negativa do Ministro do Interior, António José de Almeida, chamado a esclarecer a omissão legislativa no que respeitava ao sufrágio feminino, todas as mulheres desistiram da sua pretensão, excepto Carolina Beatriz Ângelo.
Esta médica, viúva e mãe de uma filha menor, decide desafiar os poderes instituídos e recorre aos tribunais, argumentando que a lei, apesar de não contemplar o sufrágio feminino também não o excluía, porque ao enumerar os requisitos do cidadão eleitor não fazia referência ao seu sexo. O protagonismo de Carolina neste acto de insubmissão em relação à lei e ao governo provisório da República que a produziu, lançou a polémica na imprensa e na sociedade portuguesa, o que serviu para alertar, consciencializar e reflectir sobre a igualdade de direitos entre homens e mulheres. Neste debate muito participado, sobressaem os rostos e as vozes de Ana de Castro Osório e de Maria Veleda em defesa do voto das mulheres e no comentário das opiniões contrárias vindas a público, desmontando os frágeis e falaciosos argumentos dos seus opositores.
O direito de voto foi assegurado a Carolina Beatriz Ângelo pelo juiz João Baptista de Castro no Tribunal da Boa Hora. De salientar que este juiz era pai de Ana de Castro Osório e defendia as pretensões das feministas, o que está patente no notável acórdão da sentença proferida. As feministas consideraram que a conquista do voto estava definitivamente assegurada e que a Assembleia Constituinte a alargaria a todas as mulheres que soubessem ler e escrever ou fossem economicamente independentes, tal como tinha sido pedido pela Liga.
Carolina exerceu o seu direito de voto em 28 de Maio de 1911, participando na eleição dos deputados para a Assembleia Constituinte e tornando-se na primeira mulher eleitora em Portugal e na Europa do Sul. Recorde-se que, nesta data, apenas dois países europeus, a Finlândia e a Noruega, tinham concedido o voto às mulheres.
A notícia correu o país e os círculos feministas de todo o mundo e foi motivo de missivas entusiastas de felicitações a Carolina e à Associação de Propaganda Feminista, enviadas por organizações congéneres. Vieram também a Portugal repórteres estrangeiros para entrevistar a primeira eleitora portuguesa e conhecer a nova realidade política do país. Esta vitória serviu de credencial para a filiação desta nova agremiação na International Women Suffrage Aliance.
Contudo, apesar dos esforços desenvolvidos pelas feministas e das promessas dos republicanos, a lei eleitoral de 1913 excluíu as mulheres do direito de voto. Desiludidas mas não vencidas continuaram a lutar pelo direito de cidadania e de participação política na res publica.

Natividade Monteiro

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