19.3.10

Desvanecimento (in)voluntário

O que fazemos nós sem roupa? Nada. Quem somos nós sem ela? Esta e muitas outras perguntas podem ser feitas frente à instalação que Lara Torres (n. Lisboa, 6.05.1977) levou à 34ªModalisboa - e que continua até dia 31 de Março no MUDE -, utilizando um modo expositivo diferente do que é habitual nesta criadora, mas que ‘veste’ muito bem a interrogação que nos quer deixar. Uma peça video e uma peça em cera representam a vida de uma camisa, desde que é vestida até que desaparece.

Cristina L.Duarte: Auto-biografia desta exposição apresentada na ModaLisboa, no Mude, a decorrer até dia 31 de Março.
Lara Torres: trata-se de uma instalação que entra no contínuo da minha pesquisa sobre a relação entre vestuário e memória [início: 2005] e no qual abordo um material que é novo dentro da pesquisa, a cera. Para mim faz imenso sentido, pois tem a ver com a perda. Tem a ver com o lado do esquecimento, uma questão que ainda não tinha abordado, excepto na minha primeira colecção («Memória implícita»/Verão 2006), e entretanto interessou-me recuperar essa intensidade nesse trabalho. Aqui nesta instalação procuro recuperar essa relação com a perda através da cera, e da sua capacidade em nos remeter para a ideia de mortalidade. Esta é a primeira experiência de um projecto chamado «Involuntary Memories Effacing Series».

Pensas a moda como intervenção social/colectiva, ou como intervenção individual?
LT – É um pouco as duas coisas. Acho que é fortíssimo o envolvimento das pessoas com a peça. A primeira questão que surge: não é uma colecção, é um vídeo. Depois as pessoas questionam-se porquê e isso fá-las pensar. Isso tem sido sempre uma prioridade do meu trabalho. Esta foi uma das vezes em que fui mais afirmativa em conseguir cumprir com essa interrogação, por parte do espectador.

Pensas no tema da igualdade de género aplicado à moda?
LT – Sim. Definitivamente, pela questão da identidade. Porque a moda é identidade.

O vestuário 'fala'? E se fala o que é que diz?
LT – Penso que o vestuário, qualquer peça que seja, fala sempre. Diz alguma coisa do que tu és. É aquilo que estabelece a relação com os outros. O meu [vestuário] fala desta ideia de se perder alguma coisa. Porque acho que se está a perder uma relação com o vestuário que era muito forte nesta criação da identidade, com esta ideia de multiplicação de lojas que vendem uma série de coisas todas iguais, em todo o mundo. Acho que há uma perda muito grande em relação à identidade.

Feminilidade – dá-me um sinónimo...
LT – Doçura.

Masculinidade...
LT – Força.

Desejo...
LT – Mulher...

Quando partes para uma colecção, partes de onde?
LT – Começo pela pesquisa. Não tenho um ponto de partida apenas. Depende do que está à minha volta naquela altura. Às vezes o que me estimula é um livro que estou a ler, outras é uma coisa qualquer que acontece, outras uma exposição de um artista que eu vi.
Ou então um acumular dessas coisas. Por vezes a minha vida pessoal entra pelo trabalho a dentro e isso também mexe com ele.

Pensas em alguém quando estás a desenhar - pensas num corpo?
LT - Não. Penso que o corpo está sempre presente, mesmo o trabalho que fiz agora, em que o corpo é bastante ausente, há sempre a presença de um corpo, na medida em que quando tens o vestuário, este remete sempre para um corpo. Por isso, há sempre o fantasma de um corpo na representação de uma camisa, por exemplo. Não penso num corpo específico, mas penso no corpo.

Onde está a força da moda em Portugal?
LT – No coração.

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