Parte IV
A experiência das mulheres e a sua posição na sociedade enquanto artistas, difere da experiência dos homens, tanto pelas qualidades formais como expressivas, decorrentes do carácter particular da experiência feminina e dos papéis de género. A produção artística das mulheres, unidas com um propósito, e determinadas em dar forma a uma consciência colectiva da experiência feminina, merece ser estilisticamente reconhecida como arte, senão feminista, certamente feminina.
A experiência das mulheres e a sua posição na sociedade enquanto artistas, difere da experiência dos homens, tanto pelas qualidades formais como expressivas, decorrentes do carácter particular da experiência feminina e dos papéis de género. A produção artística das mulheres, unidas com um propósito, e determinadas em dar forma a uma consciência colectiva da experiência feminina, merece ser estilisticamente reconhecida como arte, senão feminista, certamente feminina.
«O exemplo dos instrumentistas mostra (...) como o hábito não reside nem no pensamento nem no corpo objectivo, mas no corpo como mediador do mundo. (...) a música existe por si e é por ela que tudo o resto existe. (...) o corpo é eminentemente um espaço expressivo.» ( in Merleau-Ponty, Phénoménologie de la perception, «Tel», Gallimard, 1983, p. 169-171).
Quando escrevo, quase sempre o faço ao som dos Madredeus e da voz de Maria Teresa Salgueiro. Já é assim há muito tempo. Pode mesmo não ser sempre, mas muitas vezes cumpre-se esta linha programática sonora-ambiental. Os Madredeus vão bem com escrita, logo com texto, com paisagens interiores que cruzam memória, viagem, experiência, conhecimento e antecipação do Outro. Vejo a presença de Teresa Salgueiro em palco como uma mulher sózinha, livre, que desenvolve duetos imaginários com a sua sombra, esperando que alguém compreenda o seu apelo de amor, de paz, de fraternidade, de quimeras atlânticas, de noites saudosas. A música desenha algo que foi uma vez descrito por Pedro Ayres de Magalhães como a coreografia da espera. Interpretada por uma mulher, a música do grupo é tocada por esse mundo fora desde o final da década de 80. Mas terá a música género? O palco será como a vida? A caracterização da personagem feminina em cima de um palco obedece a um certo libreto, que é aquele que a sociedade deseja encontrar numa representação. O modo de cantar solístico dá um corpo à música. Quando composta para uma mulher, a música sugere um solo que alia teatro a musicalidade para transmitir um sentimento, através da criação de um texto perceptível.
Em 1995, um livro condensava nestas palavras a personalidade artística da cantora: «A participação de Maria Teresa Salgueiro no projecto, a atracção dos músicos pela simplicidade e despojamento com que ela se entregava à função de cantar e interpretar com grande expressão aquelas melodias, e a pequena comunidade sentimental que desde então se começou a gerar entre os cinco vieram precipitar o desenrolar dos acontecimentos.» (in Jorge P.Pires, Madredeus – Um Futuro Maior, Temas e Debates, Lisboa, 1995).
O grupo encontrou a sua cantora no final de 1986. Com uma formação para voz, guitarra clássica (Pedro Ayres Magalhães), teclados (Rodrigo Leão), acordeão (Gabriel Gomes) e violoncelo (Francisco Ribeiro), os ensaios davam a conhecer a um jovem público urbano constituído por amigos e conhecidos uma música nova que nascia no interior de uma oficina artística, de ambiente por vezes medievelista, outras vezes romântico-lírico, outras popular-tradicional. Fez-se uma voz, colectiva, que foi crescendo, num anseio de «ter a fotografia de toda a humanidade», como diz a letra da canção «Anseio (Fuga Apressada)», do disco Movimento (Emi-VC, 2001). (Continua – Parte III 10.05.07; Parte II 2.05.07; Parte I 18.04.07)
1 comentário:
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